sexta-feira, 30 de abril de 2010

Morro e não vejo tudo

Ele tinha 39 anos e era mau. Ele nasceu na Austrália, mas isso é irrelevante ou não, sei lá. Ele morreu. Morreu de morte matada.  Parece que atropelado por uma bicicleta ergométrica dentro de uma prisão de segurança máxima.  Ele cumpria pena: 35 anos. Não é preciso nem dizer o porquê.  Ou precisa porque por assassinato perdeu um sofá no céu. Em compensação, por aqui, ganhou um caixão de ouro para  banquetear com os vermes os seus restos e a riqueza de sua pobre pessoa.

Transparentes

Na saída da garagem,  um caminhão mostrando os dentes da rotina. Mais um. Mais um dia. O carro saindo de ré, torto na garagem estreita, devagar para não arranhar outra vez a pintura e preservar o espelho. Na rua, o papeleiro de olhos claros à espera dos sacos de lixo, dos  olhos de lixo, dos humanos sem histórias de amor, verticais, gordos de vaidades e de pressas, carimbados com os mesmos dois, três, cem mil nomes iguais, nomes completos, empacotados e transparentes.
Não encontrou a escada para subir sobre a noite vertical. Ficou sentada no asfalto, pernas estiradas ao lado dos livros que caíram depois de bater sobre sua cabeça esvoaçante e invisível diante da quantidade extraodinária de espelhos da última vitrine vista, vitrine de produtos inacabados ainda sem preço e em busca de valor, analfabetos, ignorantes, sem conta própria,  sem poesia e sem aquela melodia que ouvia nas solares horas em que  flutuava  em boa solidão dentro de uma piscina.

Reta final

Então, está definido: dia 18 de julho, domingo à tarde, estarei lá, usando os neurônios que a natureza me deu na reta final. O edital saiu antes de ontem. Um alívio.  Menos de três meses e a maratona acabará, senão acontecer nova fraude, e, por consequência, nova anulação do concurso Uma parte razoável do edital anterior, puf, foi degolada feito uma Maria Antonieta over.  Em compensação, entraram algumas leis novas e mais uma chateação que ainda não sei como resolver, em que horário encaixar. Depois do dia incrível de ontem, passei o de hoje no melhor estilo encaixotando helena. Como estudo escrevendo, minha mão direita está dolorida. O calo do pai de todos exibe-se-se feito o monte Everest.  Cresceu. Esqueci de colocar os bandaids. Técnica aprendida com sangue, suor e dor na empreitada anterior pela vaga no tribunal.  Amanhã, coloco os remendos. A boa notícia é que,  independente do resultado, descobri o porquê de eu não estar aqui a passeio.  Vou me transformar com ou sem uma boa remuneração no que sou com ou sem um níquel sequer: artista. Agora, a imersão é grande nos livros, mas, depois, será a vez das tintas e dos lápis e das palavras porque vou desenhar, pintar e escrever muito, muito mais que os sete, sem lei, resolução ou emenda que eu gosto é de ser livre.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Bípede 10

Porque o pequeno bípede tem um sabor de pernas gordinhas que afinam enquanto crescem e ganham velocidade e músculos; porque o pequeno grande bípede tem um sorriso de afeto a contornar feito um lápis o coração derretido e maternal de uma bípede reconstruída pelo eterno perfume de seu talquinho de menino, de criança multiplicadora de alegrias e de dias coloridos, e porque, hoje, o agora grande bípede tem um par de olhos de astronauta que não teme mais os dias de viajar, aqui, vai a homenagem, sem ajustes, para a aquarela viva que ele aos 10 anos é. Feliz aniversário pequeno grande bípede! Mamãe bípede e papai bípede love you :)

terça-feira, 27 de abril de 2010

Co-piloto

Amanhã, o pequeno bípede e eu vamos acordar e ir para o clube. O pequeno irá para a aula de tênis, e eu para a de dança. Vamos sair de casa no mesmo horário, usando o mesmo carro, percorrendo as mesmas ruas. Mas amanhã o dia não será como os outros. E a década será de fato nova. Porque amanhã será mais que sábado,  mais que feriado. Amanhã, o  pequeno bípede completa 10 anos às 10:38 da matina. Amanhã, ele passa para o banco da frente e assume o seu  posto de co-piloto e de acelerador de amor e de alegria dessa bípede mãe, sempre, por ele encantada.

sábado, 24 de abril de 2010

O cheiro do ralo

O cheiro do ralo foi parar embaixo da pia, aquela cheia de louça, com máquina de lavar tamanho mínimo acoplada ao lado de uma caixa de gordura, lixo diário do alimento sagrado da espécie voraz. O cheiro do ralo disputa espaço com jatos de um spray cheirando a talquinho. O cheiro é órfão de pai e mãe e história. Não é de ninguém.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Flutuações

A criatura subiu as escadas devagar e foi se esconder ali atrás da janelinha de vidro da porta da sala de dança. A criatura, bípede dançante, precisava ver com os olhos pretos que há terra não há de comer e o fogo  há de engolir, o que é que as outras gurias do grupo avançado têm. E a criatura viu criaturas alinhadas e sintonizadas balançando para lá e para cá sem um tropeço, bailando feito um Gene Kelly, nem tão graciosas quanto a Ginger Rogers, é verdade,  tampouco desengonçadas como um Et  go home, cumprindo a risca uma coreografia ardilosa e cansativa. E a criatura, então, pensou se teria alguma chance de acompanhar o ritmo e a técnica exigidas. Como a cabeça disse não, tratou logo de fechar os olhos para, em segundos,  ver-se flutuando feito a Cid Charisse que toda guria desajeita gostaria muito, muito, muitíssimo de ser. Que pena.

O último leitor

Frase de Ricardo Piglia : "Na clínica da arte de ler, nem sempre o que tem melhor visão lê melhor."
Texto no blog  Por que hoje é sábado da  mestra Léa Masina.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Tema de casa do pequeno bípede

O pequeno está na quarta-série. Parte do tema de casa dele é este aqui embaixo.  Eu não sei as respostas. O enunciado é:  encontre os números que faltam para que o resultado fique correto. Se você acha fácil, faça.

   7 X 1 X
- X 5 X 9
 ________
   3 3 3 3

  X 8 7 X
- 4 X X 5
________
  5 5 5 5

  8 X X 0
- X 9 7 X
________
   4 4 4 4

Cor de capa de chuva

Da cor da capa de chuva segue o dia. A água desce a rua olhando para mim, para mim, para mim. Vem, venha chuva, penso com minhas botas de borracha, vem tentar alcançar os meus pés, as minhas pernas, os meus joelhos. E ela, então, dança em poças, deixa-se chutar pelos que passam apressados, respinga para lá e para cá enquanto a observo aos risos. Molha-se em milhões de gotas, suja-se de barro feito uma porquinha cor-de-rosa e nada, nada sem atingir o meu humor, sem desbotar a minha alegria e sem aguar essa sensação inesquecível e formidável que canta e dança aqui dentro de mim.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

No aeroporto

                                                            Boa viagem.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Para gostar de arte

                                       De Paulo Amaral

Tibicueras

Último quadro feito pela minha mãe, Ana Terra, chamado Tibicueras, porque quando nos escrevíamos nos tratávamos assim. O mais significativo  e também último presente que ela me deu em seu último dia das mães. Ela é a Tibi que está no alto à esquerda sem chapéu; as outras, sou eu. Nosso mundo Tibi começou com um cartão escrito em frente ao Partenon de Atenas.Dizia: "Tibicuera, esta parte de ti está emocionada por ter conhecido o berço de todos os Tibicueras, tão emocionada que não encontra palavras para descrever esta cidade, que alça voos maiores do que de um pássaro. O passado, aqui, é sempre presente, assim como o meu amor por ti. Tibicuera"
O nomeTibicueras vem do romance de Érico Veríssimo: As Aventuras de Tibicuera, um índio imortal em seus descendentes.

Para pensar sobre arte

De Joseph Beuys.

Momento


Na semana que vem, o Pequeno bípede faz 10 anos. Neste ano, não pediu presentes. Para não dizer que está mesmo crescido, aceita ganhar uns últimos bonecos, action figure, como ele diz agora que está estudando inglês a sério, da Liga da Justiça. Também não quer festa. Quer jogar  boliche. Como convidados, espera apenas pelos meninos. Quase trinta. Tive de dar uma podada  na lista inicial. Para ele, tudo bem. Ele está que não se aguenta de felicidade. Do banco de trás do carro, vai passar para o da frente, e isso é o que ele mais deseja neste momento feliz de vida.
Tu não me deixas derramar minhas lágrimas e ainda pedes para eu colorir as paredes pálidas da casa tão pouco habitada. Tu  reparas no rímel sobre as minhas pestanas, no vermelho fogo das minhas unhas e ignora o líquido denso que conservo na geladeira. Tu perguntas pelo flan de leite que não como enquanto não estiver estragado. Tu não gostas das cruzes que costuro elaboradas de brotoejas e lantejoulas. Tu caminhas olhando para meus saltos altos sem reparar nas merdas de cão que pisas com teus pés tão grandes quando tua cobiça.  Tu estás no lado de fora debaixo da escada e da chuva escorregadia das faltas e do rum e gim e vodka dos teus dias. Tu me mandas para o planeta dos macacos andar nua em pelo e a cavalo enquanto me fodes feito um cabrito sem pastor e de boa montanha. Tu te fodes e não por livre e voluntária escolha. Tu te fodes porque não carregas nem a própria  maleta.

sábado, 17 de abril de 2010

Patafisicando, um novo verbo

Descobri a Patafísica no blog do Lisarda Baila Cumba Como ando um pouco sem tempo, caminho devagar por ela. Não se trata de patos nem de pé de patos nem de Pato Donald.  Em linhas gerais, patafísico é aquele está interessado na obra do escritor francés Alfred Jarry,  com especial destaque ao livro Gestas e opiniões do Doutor Faustroll, patafísico. O romance, que ainda não consegui localizar um volume, foi  publicado em 1911, depois da morte de Jarry. Em um  capítulo deste livro, explicou-me o Lisarda, se postula a ideia de uma ciência -a patafísica- dedicada a estudar as exceções e não as regras, uma ciência do particular. E eu gosto das exceções, de ver o que há no incomum, do que pode passar quase esquecido. Em outro blog Olhando além da janela, capturei a imagem ali do lado. O texto enrolado feito linha em carretel é da autoria de Flávio Calazans diz: ""Depois da Lógica de Aristóteles, só a Pataphysica foi uma ciência criada por um homem só, Alfred Jarry, o pai de todas as vanguardas; matemático, literato, físico, desenhista, músico, dramaturgo e estudioso de heráldica, destrói a linguagem (merdra) e constrói a Pataphysica, ciência das soluções imaginárias, que estuda as leis da exceção (o epifenômeno dos efeitos colaterais singulares e a relatividade do convencional). Ciência do particular, regida pelo princípio da identidade dos contrários. O livre exercício pataphysico equivale a acreditar no que quiser, desde que sabendo que é o mesmo que não acrediar em nada, pois o tudo e o nada são equivalentes. Sem imaginação não se tem nem mesmo as perguntas, quanto mais as respostas. Jarry criou o calendário Pataphysico, com 13 meses de 28 dias, mais um mês imaginário. Hoje na França há um colégio de Pataphysica. O símbolo da Pataphysica é a espiral, o vórtex. Gerações de artistas foram influenciados pela Pataphysica, como Artaud, Picasso, Grouxo Marx, os Beatles etc... A panacéia universal Pataphysica é uma heurística.” Como dá para perceber a coisa é assim um pouco doida

Aleluia, irmãos!

A cidade acordou e estavam lá em cima, na cabeça e no peito,  frases como: quando os gatos saem, os ratos fazem a festa; reage Rio;  cadê a engenheira Patrícia?; e cadê Priscila Belfort?, frases de alusão a  crimes não solucionados.
Dizem as notícias que as pichações já foram apagadas, que estão sendo apagadas, serão apagadas. O cristo está a tomar um banho.
Diz o prefeito que os pichadores serão encontrados pelo crime de lesa pátria.
Dizem as notícias que é uma ofensa às autoridades cariocas.
Dizem que é uma ofensa ao povo brasileiro.
Não estou ofendida.
Deveria, mas não estou.
Ofende-me  infinitas vezes mais saber que o seu Ignácio e a dona Eva nunca mais vão abraçar o filho porque o descaso com  os seres vivos não é nem nunca foi  importante para essa gentil nação.
As imagens ainda estão pela Internet, correndo sites feito um pregador. Aleluia, irmãos!

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Bye bye gripe

Ontem, fui fazer a vacina contra a gripe A. O local estava lotado, havia quase confusão. Eu não estava exatamente com medo. Um desconforto me aborrecia após ter ouvido alguns relatos de dor e de ter visto o tamanho da agulha. Não senti  nada. Menos que um beliscão. Meu braço também não está dolorido, nem o braço nem o corpo. Em compensação, espirro tanto e tão alto que, se tiver algum vírus rondando a rua, enganado, ele vai querer vir correndo construir sua casinha por aqui.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Audrey is back in black

Mestra Léa Masina


Palpita o peito agitado pela presença de minha querida mestra no mundo dos blogs. Palpitam os dedos sobre o teclado porque mesmo hoje não sendo sábado, o sábado já está aqui. Porque, ainda que sem a presença física, enquanto não me é possível um retorno, outra vez, sinto o calor e a vibração de Léa Masina. Vivaaaaaaaaas!!!!


Na foto: Professora Doutora em Literatura e crítica literária Léa Masina.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Pequenas frases

Ontem à noite na hora de dormir, luz apagada,  o Pequeno bípede deitado em sua cama chama a mãe. A mãe já deitada responde: a mãe está deitada, filho. Tá tudo bem? E o Pequeno bípede responde de lá com a voz meio fanhosa: sim, eu só queria dizer que você é o meu ursinho de pelúcia!

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Porque gente muito boa morre de câncer


Mãe e eu no último aniversário dela, 15 de março de 1997. Morreu de câncer mesmo sendo gente muito boa em 23 de junho do mesmo ano porque gente boa morre de câncer, do coração, de acidente, de velhice. Gente morre e só.

Me, myself and Chanel

De manhã bem cedo acordei decidida e disse para a minha cara sonolenta diante do espelho, hoje, faço a tal coleta de sangue. Duas semanas me acovardando já é demais! Depois de ter passado um ano fazendo exames semanais, como é que pode uma criatura amarelar, no caso, avermelhar só por causa de uma agulhinha e de uma seringa de 20 ml? Então, tomei um rápido banho, me fantasiei de Coco Chanel, sabe aquela blusa listrada que ela comprou a primeira vez que foi à praia, pois, comprei a irmã gêmea em Lisboa em uma loja ordinary people like me e, se não fosse o bastante, ainda vesti uma calça boyfriend e um colete preto por cima, solto para dar um ar de Chaplin, que  os meus pés são um pouco Carlitos, bípedes literalmente desajeitados. Fora isso, pus uns colarzinhos de pérolas, estes verdadeiramente elegantes, presentes do estimado senhor bípede. O senhor bípede tem dessas coisas de sair e entrar em uma joalheria. Nunca abre a porta do carro, é bem verdade. Ninguém é perfeito. Mas sabe que, se diamonds are forever, pérolas are for Bípede Falante. E fui para o laboratório. De cara lavada,  mas lépida, faceira e nem um pouco infeliz.

domingo, 11 de abril de 2010

Durante o chá

Então, vocês vão à igreja ...
Sim. Vamos.
Vão por que mesmo?
Temos uma missa.
Ah, uma missa! Não sabia que vocês eram católicas.
Pois é... não somos, mas é uma missa de sétimo dia.
Você é o que mesmo da minha nora?
Melhor amiga. Dá para dizer que somos como irmãs.
Hmmm... Se você é irmã da minha nora, é cunhada do meu filho.
É... mais ou menos... só que é de faz de conta.
Se for assim, eu sou sua sogra.
Sogra não dá pra ser.
Por quê? Pensei que você fosse solteira? Você tem sogra?
Mais ou menos solteira...
Como assim mais ou menos? Ou é ou não é? Ou você tem ou não tem namorado, ou ele tem ou não tem mãe, ou você tem ou não tem sogra. Não é assim que funciona, minha filha?
É, mais ou menos.
E você é filha de quem mesmo? Eu conheço a sua mãe?
Não, acho que não.
Você pode me apresentá-la? Ultimamente, ando um pouco sem amigas.
Não vai dar.
E não vai dar por quê?
Porque é dela a missa. É a missa de sétimo dia da minha mãe.
Nossa! E você assim toda arrumada!
Qual é o problema? O que é que tem de errado?
Sei lá, quando a minha mãe morreu, fiquei triste. Foi a pior coisa da minha vida.
E quem disse que não estou triste?
Triste de vestido e de salto alto? Só falta passar um batom vermelho. E você me disse que a sua mãe morreu de que mesmo?
Não disse.
E ela morreu de que, então?
De câncer.
Gente ruim morre de câncer.
Como?
Gente ruim morre de câncer!
O que foi que a senhora disse?
Eu disse que gente ruim morre de câncer.
E  gente boa morre de que, posso saber?
Bem, não vai dar, porque isso eu ainda não sei, querida.

Testemunha

Estava em silêncio e ouvia a chamada como se estivesse em uma sala de aula. O seu nome escapava de uma boca magra em um tom altivo e sem variantes uma vez, duas vezes, muitas. Sempre o mesmo ainda que, a cada vez que fosse dito, um novo nome parecesse ocupar o anterior. De qualquer forma, era o seu nome. Não havia dúvidas.  O olhar de quem o pronunciava sobrepunha-se aos óculos e a espiava sem apresentar uma pista qualquer de julgamento. Não se tratava de censura. Tratava-se de organizar e conhecer os novos membros do internato.  O internato estava trancado  por dentro e era o seu internato, logo, todos os espaços estavam reservados para as suas criaturas, da infância à idade presente. A repetição na chamada confirmava a necessária ordem. Sem ela, o desfecho poderia comprometer-se, submergir com a memória inventada, embotar-se no lamaçal das mágoas porque havia dor, mais que dor de cabeça ou de estômago, havia a dor metódica, cadastrada no crescimento sem amparo das fases consumadas pela aceitação ignorante e crente de que haveria um pouco mais de união quando finalmente chegasse ao local destinado aos adultos, fossem eles ou não justos.

sábado, 10 de abril de 2010

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Garimpo

Olha-me. Percebe a pá que  ofereço? Em cada tecla uma enxadada. As palavras loucas de fome e de raiva de quem as controla. Nada preenchendo as lacunas do esperado. Os pensamentos perdidos no preto plástico, no tec tec de uma digitação tão rápida quanto capenga. Frases e mais frases por uma pessoa desconhecida, pelo ser que me desmente, porque me desminto tonta feito um carrossel de cavalos brancos, que me coiceiam e já não mais me espantam, nem a minha vida secreta, secreta até de mim, de minhas ambições sem entrega, acidentes à margem do meu idioma, da essência que me azucrina e, indiferente, me coloca em uma condição de estranhamento, de sublocatária da minha estrutura, estrutura de pouca maldade, de acentuado desconforto, irritada com as imitações do mundo, com a mímica macaca dessa espécie de geografia delicada, que acredita em um mundo além sem nunca ter dado um passo para fora do cercado implacável que a enraiza aqui.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Minha alma chora, vejo o Rio de Janeiro

Estátua

Subo a escada para espiar as sombras do quintal sem flores. Nos ramos, o abandono encosta-se sobre a parede branca, quase uma porta para um mundo sem Alice. Como não tenho um coelho maluco e o relógio está quebrado, brinco de estátua. A arquitetura do equilíbrio alinha-se por dentro, fora de si. Com gravidade me ampara. Ergue-me como a um edifício sem calhas, deixando a umidade restante condenar-se em mim.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

O pai que balança o berço

Sexta-feira santa como gostam os bons cristãos, estou na praia, dando uma volta na quadra com o Bono quando escuto uma voz masculina dizer: tira logo essa criança antes que eu a jogue pela janela. A criatura em questão não está em nenhum edifício. Sentado no banco de motorista fala assim tão amigavelmente com uma moça sentada no banco de trás ao lado de uma cadeirinha infantil. O ser infantil é mesmo um ser infantil. No máximo dos máximos, tem dois anos. Segura uma fraldinha de pano com os dedos ainda gordinhos. Estão ali estacionados, família feliz sem margarina, em frente ao prédio verde e grande e caro de veraneio perto do meu, pequeno, bege e acessível. Eu, como boa pastora de crianças indefesas, puxo a guia do meu schnauzer miniatura como se ele fosse um pitbull e o coloco em posição de alerta. E em alerta também fico. Mais que alerta. Paro bem ao lado do carro e fixo os meus pares de olhos e ouvidos sobre o trio. O machão me encara. Perda de tempo. Nem quando pequena tive medo de cara feia. A moça olha-me devagar, parece constrangida não sei se pela submissão ou se pela cumplicidade com o suposto pai. O bebê segue com um chorinho baixo. Como não movo um músculo, outra vez, os olhos rasgados e verdes do exemplar de agressividade voltam a me fulminar. Pouco me importo. Vou até a frente do carro e leio a placa em voz alta. Repito para memorizar, completamente, indiferente à cara de bosta do ameaçador de criançinhas. Os dois, macho e fêmea, percebendo que eu dali eu não saio, dali ninguém me tira, descem pé por pé fazendo cara de que não é com eles. Continuo imóvel. Fico observando e só volto a caminhar depois que entram no prédio, ainda assim olhando para o alto, para as sacadas. São doze andares. Se um dia alguma criança cair dali, eu sei e eles sabem muito bem: eu ouvi.
Sábado pós sexta-feira santa, abro o jornal Zero Hora e vejo no caderno de Cultura um texto intitulado Complexo de Nardoni. Tentam dois psicanalistas explicar o inexplicado. Dizem eles que nem sempre o homem da mãe é o pai de seus filhos mesmo sendo eles quem os reproduzam. O texto integral está Aqui .

Medusa ali na esquina

Estava servindo-se de frutas e saladas. Ouviu um guizo. Por um segundo, pensou se não havia um réptil perdido entre as folhas verdes. Aí, viu a mão de ossos tortos, segurando o garfo de aço, quase enconstando na sua, e o cabelo, antes alisado, movendo-se rápido, soltando mais guizos, libertando as línguas afiadas de pontas ressecadas, respingando veneno nos pratos, sujando o apetite e o bem-estar. Ela, Medusa, ao vivo e em cores, versão 3D, perfume de cheiro de ralo ali ao seu lado, bem pertinho, servindo-se sem pressa ou vergonha, almoçando no restaurante da esquina como se estivesse em casa, naquela casa em que ela não comprava comida e em que servia ao velho com uma bandeja farta apenas de fome e solidão.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Ponteiro


Gira, gira, rodopia ponteiro perdido sem horas ou minutos. Desfaça a partida. Encara-me. Marca o ritmo dos meus passos. Ouça o tango que se esconde sob meu peito, a melodia zelosa dos meus fragmentos. Bebe do chá que fervo. Usa a minha xícara favorita e a minha cadeira de palhinha, antiga como o meu afeto, ancestral como os nossos códigos de família.

Leituras a partir de 1 de janeiro de 2012

1. Bilhete seco - Elisa Nazarian
2. Quando fui morto em Cuba - Roberto Drummond
3. O retrato de Oscar Wilde Fragmentos
4. Estrela miúda breve romance infinito - Fabio Daflon
5. Poemas - Wislawa Szymborska
6. Mar me quer - Mia Couto
7. Estive em Lisboa e lembrei de você - Luiz Ruffato
8. O pai invisível - Kledir Ramil
9. Poemas de Eugénio de Andrade - Seleção, estudo e notas de Arnaldo Saraiva
10. Os da minha rua - Ondjaki
11. A máquina de fazer espanhóis - Walter Hugo Mãe
12. Vigílias - Al Berto
13. Poemas concebidos sem pecado - Manoel de Barros
14. Face imóvel - Manoel de Barros
15. Poesias - Manoel de Barros
16. Compêndio para uso dos pássaros - Manoel de Barros
17. Gramática expositiva do chão - Manoel de Barros
18. Matéria de Poesia - Manoel de Barros
19. Arranjos para assobio - Manoel de Barros
20. Livro de pré-coisas - Manoel de Barros
21. O guardador de águas - Manoel de Barros
22. Concerto a céu aberto para solos de ave- Manoel de Barros
23. Quinta Avenida, 5 da manhã - S. Wasson
24. A literatura em perigo - Tzvean Todorov
25. O remorso de Baltazar Serapião- Walter Hugo Mãe
26. Lotte & Zweig - Deonísio da Silva
27. Indícios flutuantes (poemas) - Marina Tsvetáieva
28. A duração do dia - Adélia Prado
29. Rua do mundo - Eucanaã Ferraz
30. Destino poesia Antologia - organização Italo Moriconi. Ana Cristina Cesar, Cacaso, Paulo Leminski, Torquato Neto e Waly Salomão
31. Tarde - Paulo Henriques Britto
32. Correnteza e escombros - Olavo Amaral
33. Nelson Rodrigues por ele mesmo
34. A última coisa que eu pretendo fazer na vida é morrer - Ciro Pellicano
35. O encontro marcado - Fernando Sabino
36. O óbvio ululante - Nelson Rodrigues
37. O grande mentecapto- Fernando Sabino
38. O homem despedaçado - Gustavo Melo Czekster
39. Dia de São Nunca à tarde - Roberto Drummond
40. O canto do vento nos ciprestes - Maria do Rosário Pedreira
41. Antes que os espelhos se tornem opacos - Juarez Guedes Cruz
41. Desvãos - Susana Vernieri
42. Um pai de cinema - Antonio Skármeta
43. No inferno é sempre assim - Daniela Langer
44. Crônicas de Roberto Drummond.
45. Correio do tempo - Mario Benedetti
45. Gatos bravos morrem pelo chute - Tiago Ferrari
46. Gesso & Caliça - Alberto Daflon Filho e Fabio Daflon
47. A educação pela pedra - João de Cabral de Melo Neto
48. O fio da palavra - Bartolomeu Campos de Queirós
49. Meu amor - Beatriz Bracher
50. Os vinte e cinco poemas da triste alegria - Carlos Drummond de Andrade
51. A visita cruel do tempo - Jennifer Egan
52. Cemitério de pianos - José Luis Peixoto
53. O amante - Marguerite Duras
54. Bonsai - Alejandro Zambra
55. Diciodiário - Valesca de Assis
56. Não tenho culpa que a vida seja como ela é - Nelson Rodrigues
57. Lero-lero - Cacaso
58. O livro das ignorãças - Manoel de Barros
59. Livro sobre nada - Manoel de Barros
60. Retrato do artista quando coisa - Manoel de Barros
61. Ensaios fotográficos - Manoel de Barros
62. A queda - as memórias de um pai em 424 passos - Diogo Mainardi
63. Junco - Nuno Ramos
64. Os verbos auxiliares do coração - Peter Estérhazy
65. Monstros fora do armário - Flavio Torres
66. Viagem - Cecília Meireles
67. Cora Coralina - Seleção Darcy França Denófrio
68. Instante - Wislawa Szymborska
69. Dobras do tempo - Carmen Silvia Presotto
70. Eles eram muitos cavalos - Luiz Ruffato
71. Romanceiro da inconfidência - Cecília Meireles
72. De mim já nem se lembra - Luiz Ruffato
73. O perseguidor - Júlio Cortázar
74. Paráguas verdes - Luiz Ruffato
75. Todas as palavras poesia reunida - Manuel António Pina
76. Vidas secas - Graciliano Ramos
77. Inferno Provisório Volume II O mundo inimigo - Luiz Ruffato
78. O ano em que Fidel foi excomungado - José de Assis Freitas Filho
79. Boneca russa em casa de silêncios - Daniela Delias
80. As cidades e as musas - Manuel Bandeira
81. Billie Holiday e a biografia de uma canção Strange Fruit - David Margolick
82. Inferno Provisório Volume III Vista parcial da noite - Luiz Ruffato
83. Inferno Provisório Volume V - Domingos sem Deus
84. Inferno Provisório Volume IV - O Livro das impossibilidades - Luiz Ruffato
85. Pedro Páramo - Juan Rulfo
86. Zazie no metrô - Raymond Queneau
87. Fora do lugar - Rodrigo Rosp
88. Salvador abaixo de zero - Herculano Neto
89. Inferno Provisório Volume I - Mamma, son tanto felice - Luiz Ruffato
90. A virgem que não conhecia Picasso - Rodrigo Rosp
91. Claro Enigma - Carlos Drummond de Andrade
92. Tempo dividido - Sophia de Mello Breyer Andersen
93. A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

Leituras a partir de 1 de janeiro de 2011

1.Desgracida - Dalton Trevisan
2.Diário de um banana - Jeff Kinney
3. Poemas escolhidos, seleção de Vilma Arêas - Sophia de Mello Breyner Andresen
4. Oportunidade para um pequeno desespero - Franz Kafka
5. Venenos de Deus, remédios do Diabo - Mia Couto
6. Ventos do Apocalipse - Paulina Chiziane
7. Para gostar de ler - Contos Africanos
8. Vinte e zinco - Mia Couto
9. O Vendedor de passados - José Eduardo Agualusa
10. O Fazedor - Jorge Luís Borges
11. Terra Sonâmbula - Mia Couto
12. Barroco Tropical - José Eduardo Agualusa
13. Quem de nós - Mario Benedetti
14. O último voo do flamingo - Mia Couto
15. A carta de Pero Vaz de Caminha: o descobrimento do Brasil - Silvio Castro
16. Na berma de nenhuma estrada e outros contos - Mia Couto
17.O reino deste mundo - Alejo Carpentier
18. Como veias finas na terra - Paula Tavares
19. Baía dos Tigres - Pedro Rosa Mendes
20. O português que nos pariu - Angela Dutra de Menezes
21. Cem anos de solidão - Gabriel Garcia Marquez
22. Vermelho amargo - Bartolomeu Campos de Queirós
23. Meu tipo de garota - Buddhadeva Bose
24. Tradutor de Chuvas - Mia Couto
25. O livro das perguntas - Pablo Neruda
26. O fio das missangas - Mia Couto
27. Luka e o fogo da vida - Salman Rushdie
28. Pawana - J.M.G. Le Clézio
29. O africano - J.M.G. Le Clézio
30. O pescador de almas - Flamarion Silva
31. Um erro emocional - Cristovão Tezza
32. O amor, as mulheres e a vida - Mario Benedetti
33. A cidade e a infância - José Luandino Vieira
34. História do olho - Georges Bataille
35. Destino de bai- antologia de poesia inédita caboverdiana
36. O tigre de veludo- E. E. Cummings
37. Poesia Soviética - Seleção, tradução e notas de Lauro Machado Coelho
38. A cicatriz do ar - Jorge Fallorca
39. Refrão da fome - J.M.G. Le Clézio
40. As avós - Doris Lessing
41. Vozes Anoitecidas - Mia Couto
42. O livro dos guerrilheiros - José Luandino Vieira
43. Trabalhar cansa - Cesare Pavese
44. No teu deserto - Miguel Sousa Tavares
45. Uma canção para Renata Maria - Ediney Santana
46. Sete sonetos e um quarto - Manuel Alegre
47. Trópico de Capricórnio - Henry Miller
48. Sinais do Mar - Ana Maria Machado
49. Carta a D. - Andre Gorz
50. E se o Obama fosse africano? E outras interinvenções - Mia Couto
51. De A a X - John Berger
52. Diz-me a verdade acerca do amor - W.H. Auden
53. Poemas malditos, gozosos e devotos - Hilda Hilst
54. Outro tempo - W.H. Auden
55. nem sempre a lápis - Jorge Fallorca
56. Elvis&Madona - Luiz Biajoni
57. Budapeste - Chico Buarque
58. José - Rubem Fonseca
59. Axilas e outras histórias indecorosas - Rubem Fonseca
60. Instruções para salvar o mundo - Rosa Montero
61. A chuva de Maria - Martha Galrão
62. Rimas da vida e da morte - Amós Oz
63. Aqui nos encontramos - John Berger
64. Pensatempos textos de opinião - Mia Couto
65. Os verbos auxiliares do coração - Péter Esterházy
66. Cartas a um jovem poeta - Rainer Maria Rilke
67. A canção de amor e de morte do porta-estandarte Cristovão Rilke - Rainer Maria Rilke
68. Adultérios - Woody Allen
69. Quem me dera ser onda - Manuel Rui
70. Satolep - Vítor Ramil
71. Homem Comum - Philip Roth
72. O animal agonizante - Philip Roth
73. Paisagem com dromedário - Carola Saavedra
74. Não te deixarei morrer, David Crockett - Miguel Sousa Tavares
75. Orelhas de Aluguel - Deonísio da Silva
76. Travessia de verão - Truman Capote
77. Avante, soldados: para trás - Deonísio da Silva
78. Antes das primeiras estórias - João Guimarães Rosa
79. O outro pé da sereia - Mia Couto
80. O cemitério de Praga - Umberto Eco
81. A mulher silenciosa - Deonísio da Siva
82. Livrai-me das tentações - Deonísio da Silva
83. A mesa dos inocentes - Deonísio da Silva
84. Hilda Furacão - Roberto Drummond
85. A estética do frio - Vitor Ramil
86. Poetas de França - Guilherme de Almeida
87. Tarde com anões 7 minicontistas - Carlos Barbosa, Elieser césar, Igor Rossoni, Lidiane Nunes, Mayrant Gallo, Rafael Rodrigues e Thiago Lins.
88. Pensageiro Frequente - Mia Couto.
89. A palavra ausente - Marcelo Moutinho
90. Uma mulher -Péter Esterházy
91. Cartas de amor - Fernando Pessoa
92. A última entrevista de José Saramago - José Rodrigues dos Santos
93. A morte de D.J. em Paris - Roberto Drummond
94. Do desejo - Hilda Hilst
95. Cenas indecorosas - Deonísio da Silva

Leituras a partir de 19 de Julho de 2010

1. La Hermandad de la uva - John Fante
2. Nem mesmo os passarinhos tristes - Mayrant Gallo
3. Um mau começo - Lemony Snicket
4. Recordações de andar exausto - Mayrant Gallo
5. Ladrões de cadáveres - Patrícia Melo
6. O mar que a noite esconde - Aramis Ribeiro Costa
7. Há prendisajens com o xão - Ondjaki
8. E se amanhã o medo - Ondjaki
9. O último leitor - Ricardo Piglia
10. Par e ímpar - Tatiana Druck
11. Paris França - Gertrude Stein
12. Quirelas e cintilações - Luiz Coronel
13. AvóDezanove e o segredo do soviético - Ondjaki
14. Luaanda - José Luandino Vieira
15. Poemas para Antonio - Ângela Vilma
16. Estranhamentos - Mônica Menezes
17. A vida é sonho - Calderón
18. A varanda do Frangipani - Mia Couto
19. Um copo de cólera - Raduan Nassar
20. Antes de nascer o mundo - Mia Couto
21.Lavoura Arcaica - Raduan Nassar
22- Poemas da ciência de voar e da engenharia de ser - Eduardo White
23. Manual para amantes desesperados - Paula Tavares
24. Materiais para confecção de um espanador de tristezas - Ondjaki
25. Milagrário Pessoal - José Eduardo Agualusa
26. Felicidade e outros contos - Katherine Mansfield
27. Estórias abensonhadas - Mia Couto
28. Fábulas delicadas - Eliana Mara Chiossi
29. O Ulisses no Supermercado - José de Assis Freitas Filho
30. Cartas Exemplares - Gustave Flaubert
31. A Moça do pai - Vera Cardoni
32. Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra - Mia Couto
33. Dentro de mim faz sul seguido de Acto Sanguíneo - Ondjaki
34. Bonequinha de Luxo - Truman Capote
35. 125 Poemas - Joaquim Pessoa.

Mundo bípede


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