sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Fatias

A Ci e o AC escreveram algo sobre dividir o tempo em fatias e, bem, fatias é uma coisa que gosto muito, se for de Marta Rocha, então, nem se fala, que adoro merengue e adoro pêssegos, por isso, vou fazer de conta que logo ali está uma deliciosa torta e comer uma, duas, três, muitas  partes até ficar gorda, muito gorda e enjoada e pedir, implorar ao confeiteiro por um pacote de bolacha de água e sal para voltar logo a minha bípede rotina.
Que 2011 seja um ano bom, um ano, dizem que agora do coelho,  bom para chocolates, para bombons, bom para vinhos e para amores, aqueles que já chegaram e os que estão por chegar :)

Definitivamentes

Definitivamente, a única data que lhe fala ao coração são os aniversários, os marcos de que há vida viva nos blogs, em marte, em  martas e em mares. Definitivamente, não lhe importam as viradas de um relógio que dança conforme as pilhas e se adianta ou atrasa conforme os humores do clima. Definitivamente, ela prefere abrir uma champagne em um dia qualquer junto com uma amiga como a mais antiga, que uma antiga amiga é  também um amor de toda a vida. Definitivamente, ela gosta dos amigos e gostaria de  comer lentilhas, grãos sabororos como os do afeto, perto de cada um todos os dias, que em cada um há o sabor de uma doce mordida. Definitivamente, ela  gosta de explosões de fogos, mais nos olhos que no céu, que há olhos com  mais brilho. Definitivamente, a presença de um oceano acalma as ausências da terra, e , na terra, convivem tanto as montanhas quanto as ilhas, as mapeadas e as perdidas. Definitivamente, ela adora listas, mas não consegue escrever uma de planos, talvez, porque goste de fingir-se de tonta e de brincar de bicho e de doida sem palavras feito uma criança que apenas grita e gargalha enquanto gira.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Na hora H

No penúltimo dia do ano, na praia desde segunda-feira, finalmente, a bípede voltou para o blog. O modem do ano passado era do ano passado, ou seja, incompatível com o micro que é desse ano e não havia reza ou santo que o fizesse funcionar. A saída foi trocar por um novo. E eis, aqui, o novo a operar milagres, que a Internet, às vezes, tem cara de santo e exige umas moedinhas e um tanto de fé de seus pobre falantes. A Internet e o tempo que em um mesmo dia faz sol e chuva e sol e chuva, e a bípede sai e volta e sai e volta para casa feito barata tonta  sem sorte e com sorte dependendo do humor e da operadora que finalmente fez essa geringonça funcionar a tempo da bípede escrever amanhã um último post para os queridos amigos de todos os anos.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Do blog Vida(s) Urbana(s)

Presente de Natal de Maria Fonseca, do blog Vida(s) Urbana(s)

BONDADE - Sylvia Plath
A bondade plana perto da minha casa.
A Dona Bondade, ela é tão simpática!
As jóias azuis e vermelhas dos seus anéis de fumo
Nas janelas, os espelhos
Enchem-se de sorrisos.
Que há mais real do que um gemido de uma criança?
O gemido de um coelho pode ser mais selvagem
Mas não tem alma.
O açúcar tudo cura, é o que diz a bondade.
O açúcar é um fluido necessário.
De cristais que são como um pequeno penso.
Ó bondade, bondade
a apanhar delicadamente os grânulos!
As minhas sedas japonesas, borboletas desesperadas,
Para fixar a qualquer momento, anestesiadas
E lá vens tu, com uma chávena de chá
Numa auréola de vapor.
O jacto de sangue é poesia,
Nada o pode estancar.
Tu trazes-me dois filhos, duas rosas.

Ariel, Sylvia Plath, pp. 167. Relógio D'Água

Obrigada, Maria :) Foi uma surpresa incrível!

Palavras

Nos teus olhos de palavras, leio o desejo que se inscreve em meus livros. Nos teus olhos de palavras, reconheço as linhas com que desenhas-me em tuas mãos feita de contornos. Nos teus olhos de palavras, respiram as frases e os remos com que me decifras amor adentro.

Achados e perdidos

 

Abriu os pacotes e nada. Por favor, quem pegou, devolva, e logo,  a mercadoria  perdida!

sábado, 25 de dezembro de 2010

So, this is Christmas...

3 o'clock in the morning como na música Faraway So Close do filme Wings of desire, do Wenders, e a criatura escrevendo sobre a noite de Natal.  Fez calor, 30 graus às 22 horas, choveu rios perto da meia noite, voltou o calor logo depois. Primeiro, foi na casa da Ana, viu os meninos da família, a  pequena  grande parte do sangue que herdou de sua mãe. Entregou presentes.  Comeu, e muito, um delicioso peru assado pelo Paulo, tão bom cozinheiro quanto artista, brincou com dragões, segurou no colo o seu  não mais bebê Enzo afilhado, cheirou o cabelo perfumado do seu pequeno  bípede quase quase um pré-adolescente, brindou, conversou, sorriu, conheceu a nova cunhada prima, falou com o irmão querido pelo telefone, falou de novo outra vez, ai que bom, com o irmão querido pelo telefone.  Foi para a outra casa. Cruzou a cidade. Entregou presentes. Comeu um bolo de chocolate e um outro bolo  bonito e   ruim.  Conversou. Fez cosquinhas no pé da Maria Fernanda ainda super bebê com as perninhas grossas cheias de covinhas, olhou para o céu, olhou para o relógio, perguntou que tal irmos para casa, cruzou a cidade, chegou em casa, tirou as sandálias, ligou o computador. 
3 o'clok in the morning como na música Faraway So Close do filme Wings of Desire, do Wenders, e a criatura escrevendo sobre a noite de Natal. Fez sul, fez norte, fez um mormaço, fez vento, fez saudades, fizeram-se lembranças, fez-se no rosto de um menino o rosto de sua mãe, fez-se um aperto no peito, fizeram-se muitos nos olhos, fez-se uma sonolência, fez-se uma vontade de passear, de estar em seu lugar, de estar acordada, de deixar-se anestesiar, de chorar um bocadinho, de sorrir um bocadinho, de  não sentir, de sentir, de estar sempre em casa, de tirar para sempre as sandálias e de ligar indefinidamente o computador para ouvir na voz da Maria Rita a tal música que fala sobre a vida.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Natalices

Natal é quando o seu filho faz você se sentir a melhor mãe do mundo.
Natal é quando o seu irmão diz que você é a melhor irmã do mundo.
Natal é quando você passeia pela sua estante e percebe que ganhou muitos livros sem data marcada e razão de ser no decorrer do ano, livros autografados pelos autores, livros comprados  pelos amigos, livros que foram entregues em mãos, livros que foram entregues pelas mãos dos carteiros, livros que atravessaram o país, livros que atravessaram um oceano.
Natal é quando você olha para a sua casa e vê que as flores da sua janela estão cada vez mais coloridas.
Natal é quando  um bebê que você nunca viu antes lhe estende os braços gordinhos e pede pelo seu colo falando um bebequês muito fofo.
Natal é quando um carro deixa você entrar na rua e ninguém buzina.
Natal é quando você controla o seu mau gênio e não diz um com licença cheio de raiva para a mulher lenta que não deixa você e o carrinho de supermercado passarem para o outro lado do corredor.
Natal é quando o seu filho, depois de cinco anos trabalhando duro com uma psicomotricista, finalmente tira um A bem grande no boletim onde diz: escreve de forma legível.
Natal é quando esse mesmo menino se emociona e chora em frente a psicomotricista por ter alcançado o resultado esperado.
Natal é quando você compra para você mesmo um novo livro de poesias e o livro vem ilustrado, quase como o vídeo feito por um amigo poeta de fala mansa e eterna.
Natal é quando você percebe a grande estima e felicidade que tem e sente pelos seus incríveis  amigos, as suas incríveis pessoas e sabe que não precisa  mais do que isso :)

Linha azul

Desterra esse querer para que a maré se faça em uma única onda e trançe a minha chuva com o teu horizonte, linha azul a caminhar por entre os meus tremores, traços sedentos da tua substância, ternura transfigurada pelos meus contornos e pelo perfume com que hidratas a minha seiva enquanto floresço em ti.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Imperfeito do Subjuntivo

Tomasse eu o seu eco, nua ao som do seu corpo, espalharia pela sua saliva a ferida presa aos meus lábios. Tomasse você o que se esconde sob os meus olhos fechados, perceberia os cacos do amor inutilizado e o quanto guardava esperanças o indefinido retrato.




Música roubada do blog do Bom Sacana.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Vê que a minha respiração se cala para escutar os seus passos e o meu corpo despede-se do silêncio e desprende-me dessa embalagem presa a um laço pronto para desabar? Vê que a minha respiração soletra as letras do seu nome e o meu corpo declara-me trégua e pede-me pela ternura e mordida da sua boca? Vê que a minha respiração me entranha e o meu corpo flutua e se despe rarefeito para que você o encontre?

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Velha Infância

Porque hoje é sexta-feira, uma sexta-feira de verão, e ela é assim feito uma velha infância a caminhar dentro de um vestido, no blog: os tribalistas :)

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Palavras

Tantas palavras a voar o silêncio,  a respiração diluindo-se  em um outro volume, o coração atento à rota de um compasso não mais escondido, marcador de um livro a ser editado de  terra e de  noite postos à vista, traçados por pássaros e linhas, letrados na ternura  e nas horas de um  verbo intransitivo.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Aroma

O aroma do seu verbo sobe com seus dedos pelas minha coxas e oferece-me feito fome ao banquete que escapa da sua saliva, correnteza doce a regar-me no curso do amor nunca colhido.

Bolas de Natal

Em pleno espírito natalino de visa, mastercard e american express, eis algumas bolas de natal do pinheirinho de infância da bípede:
Primeira bola: a bípede nunca acreditou em Papai Noel, nem por um único minuto, que na casa da bípede havia pinheirinho com bolas vermelhas, havia ceia, havia presentes e havia também uma mãe e um pai sem o mínimo pudor de dizer aos filhos que quem comprava os pacotes eram as pessoas e que caberia agradecer a elas cada prenda recebida. Assim, o tal velhinho existia para a bípede tanto quanto o velho do saco, menos que o velho do saco, porque o velho do saco poderia aparecer em um dia qualquer para levar uma certa menininha;
Segunda bola: na casa da bípede, essa mesma mãe e esse mesmo pai, principalmente esse mesmo pai, repetiam aos quatro cantos e aos quatro ventos que  todas as pessoas eram feitas da mesma farinha e que todas deveriam receber o mesmo pão, mas, na hora de repartir, para algumas, entregavam farelos, muitos farelos embrulhados para presente, que o embrulho enganava a torcida e combinava com o pinheirinho e com as bolas vermelhas;
Terceira bola: a bípede nunca acreditou em Papai Noel, mas acreditava piamente na família e ser da família deveria trazer no pacote um bocado de amor, quatro letras dificeis de se materializar. Recebia gritos, chantagens e tapas, mais gritos e chantagens, que tapas não ficavam bem em gente de família;
Quarta bola: na casa da bípede, na noite de natal, não dormiam o menino Jesus e nem os demais habitantes em paz ou qualquer coisa parecida porque durante o dia o pai da bípede brigava com a mãe da bípede que brigava com todos porque a casa não estava limpa e os quartos não estavam prontos e alguém não queria ceder um quarto para os primos, e os primos eram a única alegria de verdade em meio a sucessão de afagos, e a mãe da bípede brigava também com a tia da bípede que brigava com a avó da bípede e com os filhos  e, apesar de tudo isso,  a mãe da bípede antes de descer a escadaria a la Scarlet O'hara, tinha de descansar a pele e  se maquiar até parecer uma diva e vestir um longo exuberante e descer, de lado, os degraus, fingindo ser  uma rainha quando, na verdade, tinha um enorme talento para protagonizar um triste  número de bruxa.

domingo, 5 de dezembro de 2010

E então?

E então como ele está? O que fizeram com ela depois de ter jogado sobre ele tantas palavras e lhe arrancando o verbo como quem esfola a pele? Ela, a mansidão da cama sem nome, da noite sem nome, a mulher antiplástico, de natureza agreste, sujeita ao mau humor e à seca, ela, a fêmea sem detalhes, respirando vírgulas enquanto perde as frases de vista e perde de vista o ritmo e a ilusão e despeja melodramas em gotas e tubos sem metáforas e que não valem, nem mesmo para ela, um escarniçado tostão?

sábado, 4 de dezembro de 2010

Outra vez, o Natal

Passou a tarde no shopping por causa do Natal. Na verdade, nos shoppings que eles são um ao lado do outro. Os dois muito parecidos, mas só um tem uma boa livraria, não que ela quisesse comprar livros para dar de presente, embora quisesse, que essa é a verdade, a mais pura verdade, ela gosta de dar livros. Mas, via de regra, a expressão dos presenteados, com algumas exceções, é a mesma de ah, hmm, tá, legal, e um legal sem o mínimo entusiasmo, uma confissão de que o livro irá ser jogado em  um canto qualquer para o resto da vida, o livro e ela que está a roer suas relações natalinas feito uma uma traça. Então, ela passeou pelos dois shoppings. Como dizem por aqui: bateu pernas, a pobre esquerda, estóica, a sustentar o tal refluxo, que a criatura tem uma perna bebê do tipo que regurgita o sangue não derramado, coisas da idade diria o pai da criatura, diagnóstico PV precoce (outra hora, traduzo) e entrou em lojas, todas as lojas, xeretou, que ela é dada a xeretices e não comprou nada para quem deveria comprar. Nada. Saldo  zero. Comprou uma Nhá Benta em causa própria, que um doce no meio do turbilhão de gentes acalma os nervos, e haja nervos para suportar o rosto cor de rosa e a barba de neves do tal bom velhinho em pleno verão tropical, comprou uma roupa de ginástica escandalosamente  decotada para amansar o corpo nas aulas de dança porque o corpo ferve, de vez em quando muito, muito mais que a cabeça e comprou livros, um bocadinho de livros, alguns livros que não tem e que gostaria tanto de ter, seis para ser exata. Seis doses de pura felicidade. Seis doses que ela agora não sabe se toma gota por gota, página por página, ou se embrulha e passa adiante mesmo sabendo que elas serão, em segundos, tristemente, descartadas.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Cabeça de vento

Lá estava ela, de novo,  perguntando, na gerência, se alguém havia encontrado a sua carteira do clube, ela não tem muita afinidade com clubes, mas, nesse, faz suas aulas de dança e precisa dançar, mesmo que seja mal, porque a dança poetiza o seu corpo, às vezes, um tanto teimoso. E nada. Nada. Não,  não foi encontrada, diz a recepcionista já com cara de espanto, que nunca viu uma moça com tamanha insistência, se encontrar avisa. Então, a moça vira as costas e se dirige ao clube, carregando um caminhão de culpas porque, deus, onde estás, que permite que ela esqueça de fechar o zíper da bolsa e fique sem óculos, sem carteira, sem código de barras quase todos os dias, e deus não responde porque o gato comeu-lhe a língua ou a existência, e ela que trate de ir logo providenciar uma nova nesse lindo dia de sol, que, deus, como está azul a água da piscina e como parecem felizes as criaturas debaixo do céu, menos ela e ela que não se distraía e que siga, ainda que sem pressa, para a secretaria, e que mal deixe o sol dar sua  leve tostadinha nos braços antes de entrar e de dizer: olá, bom dia, perdi minha carteira, porque depois que ela entrar, é possível que o rapaz atrás do balcão levante-se e dê só uma espiadinha, uma única olhada e reconheça, na moça, a moça sorridente e de plástico 3x4 que está guardada na gaveta porque a moça da gaveta é uma moça de sorte e moças de sorte são encontradas nem que seja rolando entre bananas e laranjas do piso de frio de um supermercado.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Chance para os puritanos se retirarem do bípede blog

Drummond em O Amor Natural. Vários Drummonds, que o livro têm vários poemas, mesmo que tenha quem ache que os poemas  não passam de mera pornografia. Se forem, acabo de me decretar pornográfica, a bípede pornográfica.

AS MULHERES GULOSAS

As mulheres gulosas
que chupam picolé
-- diz um sábio que sabe --
são mulheres carentes
e o chupam lentamente
qual se vara chupassem,
e ao chupá-lo já sabem
que presto se desfaz
na falácia do gozo
o picolé fuginte
como se esfaz na mente
o imaginário pênis.

O CHÃO É CAMA

O chão é cama para o amor urgente,
amor que não espera ir para a cama.
Sobre tapete ou duro piso, a gente
compõe de corpo e corpo a úmida trama.

E para repousar do amor, vamos à cama.

SOB O CHUVEIRO AMAR

Sob o chuveiro amar, sabão e beijos,
ou na banheira amar, de água vestidos.
amor escorregante, foge, prende-se,
torna a fugir, águas no olhos, bocas.
dança, navegação, mergulho, chuva,
essa espuma nos ventres, a brancura
triangular do sexo -- é água, esperma,
é amor se esvaindo, ou nos tornando fonte?

TENHO SAUDADES DE UMA DAMA

Tenho saudades de uma dama
como jamais houve na cama
outra igual, e mais terna amante.

Não era sequer provocante.
Provocada, como reagia!
São palavras só: quente, fria.

No banheiro nos enroscávamos.
Eram flamas no preto favo,
um guiar, um mata-morrer.

Tenho saudades de uma dama
que me passeava na medula
e atomizava os pés da cama.

VOCÊ MEU MUNDO MEU RELÓGIO DE NÃO MARCAR HORAS

Você meu mundo meu relógio de não marcar horas; de esquecê-las. Você meu andar meu ar meu comer meu descomer. Minha paz de espadas acesas. Meu sono festival meu acordar entre girândolas. Meu banho quente morno frio quente pelando. Minha pele total. Minhas unhas afiadas aceradas aciduladas. Meu sabor de veneno. Minhas cartas marcadas que se desmarcam e voam. Meu suplício. Minha mansa onça pintada pulando. Minha saliva minha língua passeadeira possessiva meu esfregar de barriga em barriga. Meu perder-se entre pelos algas águas ardências. Meu pênis submerso. Túnel cova cova cova cada vez mais funda estreita mais mais. Meus gemidos gritos uivos guais guinchos miados ofegos ah oh ai ui nhem ahaha minha evaporação meu suicídio gozoso glorioso.

domingo, 28 de novembro de 2010

Pablo Neruda - Soneto LXIX

Talvez não ser é ser sem que tu sejas,
sem que vás cortando o meio-dia
como uma flor azul, sem que caminhes
mais tarde pela névoa e os ladrilhos,

sem essa luz que levas na mão
que talvez outros não verão dourada,
que talvez ninguém soube que crescia
como a origem rubra da rosa

sem que sejas, enfim, sem que viesses
brucas, incitante, conhecer minha vida,
aragem de roseira, trigo do vento,

e desde então sou porque tu és,
e desde então és, sou e somos
e por amor serei, serás, seremos.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Cartas Exemplares

 De Gustave Flaubert:

Que coisa desgraçada que é a prosa! Não termina nunca; tem-se que refazer sempre. Eu acredito no entanto que podemos dar-lhe a consistência do verso. Uma boa frase de prosa deve ser como um bom verso, imutável, tão ritmado quanto sonoro.

Mas não são as pérolas que fazem o colar; é o fio.

Sim, a tolice consiste em querer concluir. Nós somos um fio e queremos saber a trama.

Eu só acredito na eternidade de uma coisa, é na da ilusão, que é a verdadeira verdade. Todas as outras são apenas relativas.

A febre esvazia o espírito; a cólera não é força, é um colosso cujos joelhos vacilam e que fere mais a si próprio do que aos outros.

Todo o talento consiste em fazer que ele tome o jeito que se quer.

É perder tempo ler críticas. Eu faço questão de sustentar uma tese de que não há uma só que seja boa, que isto não serve para nada a não ser para imbecilizar os autores e para embrutecer o público, e, enfim, que se faz crítica quando não se pode fazer arte, assim como quem não pode ser soldado torna-se informante.

Quanto a mim, estou de fato muito bem, depois que aceitei estar sempre mal.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Pra não dizer que não falei de amor...

Uma conversa imaginária:

Você me ama?
Amo.
Você me ama mesmo quando me odeia?
Amo.
Você vai fazer alguma coisa por mim?
Vou.
O quê?
Vou te dar uma tunda!

Pilantra

Afloram sobre a pilantra, as gotas ácidas do sentimento enxaguado à força por uma máquina de lavar palavras e sujar a boca,  boca cheia de opinião e perguntas, boca capaz de perfurar a redoma mal defendida da gaiola desparafusada do arisco bicho, animal de plumas contorcidas, protegido por asas implantadas, asas de plástico desproporcionais a sua forma de vida, e a pilantra vai com tudo e derrama a sua substância e faz dela a sua navalha e empanturra-se de ódios em murmúrios densos de ossos, que o tecido da pilantra é liso, é puro e sem gorduras como  são os seus ágeis demônios postos nas alturas, estrelas voadoras de um céu que despenca e enrola sua cauda no dorso titubeante do que ela entende por destino.

Moça de frente para o mar

De frente para o mar, areia estrangeira na própria matéria, sem marcas, delineia, a moça, o contorno da espuma que circula em seu corpo teimoso e distante. De frente para o mar, flagela, a moça, o retrato imóvel da água que nutre os seus pés tão imóveis comos caules em um vaso não perfumado. De frente para o mar, deixa, a moça, desidratar-se em uma linha imaginária, ponto perdido em um sonho de  infértil realidade.

Na cadência sem música, perdida entre ondas, tenta em vão segurar a alma desafinada. Na cadência sem música, oferece ao peito um relógio e deixa que ele o corte com  palavras e  ponteiros de aço. Na cadência sem música, escuta outras frases movidas por outras dramas.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Correnteza

E por que não deixar os olhos dessas palavras acenderem-se sob o dia que se exibe no céu e se pinta de azul e branco como em um ritual de ternura, paciente e aberto como o voo de um desejo, de um instante descalço e aninhado em outra pele, tramado, embriagado, consumado,  pelos sons que se derramam feito uma correnteza de colorir ouvidos?

domingo, 21 de novembro de 2010

Outro domingo

Domingo, janelas abertas para o parque. O sol escondido a boicotar as piscinas. A bípede de shorts, camiseta e pernas para o ar. O pequeno bípede assistindo, de novo outra vez só mais essa é a última, Harry Potter e a Ordem da Fênix. O Harry  crescido, bastante crescido, e de casaco a reclamar que passou o verão inteiro sem receber notícias. O verão da bípede não é do tipo para inglês ver. Um verão da  bípede é um verão movido à bronze, palavras, água doce e salgada, mais doce, que os mares do sul, talvez, sejam para inglês ver, de preferência, um que use binóculos ou óculos, óculos para leitura feito os da bípede e que não lhe caem bem como os antigos, que as opiniões foram tão unânimes quanto inúteis porque os antigos bateram asas e voaram para algum elo perdido. A bípede  não está em busca de elos perdidos, a bípede está em paz  com o sol e  com as  mensagens que ele há de trazer em seu próximo horizonte azul e aquecido.

Escrevo

Escrevo para me dar contornos, que assim, preto no branco, me vejo melhor que em cores!

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Adorável natureza

Depois de chegar ao limite da preguiça e da sujeira, leia-se muito tempo, levou o carro para tomar banho. Ficou dentro com o pequeno bípede, vendo as franjas da máquina colorida se aproximarem. Por um segundo, sentiu um arrepio de mal-estar. Depois feito bitacaia começou a saltitar de lá para cá sobre os estofados como se fosse ela a espuma. No caminho de volta para casa, deram uma leve paradinha embaixo de uma árvore florida. Gostam, os dois, de  árvores floridas e, de novo, foram, os dois, batizados por uma pombinha branca da paz. Dessa vez,  no meio do capô. Ela, indignada, desejou ter um estilingue, mas o pequeno, aos risos, disse logo um  deixa disso, mãe e, com detalhes,  lembrou da vez em que ela, de vestidinho e perfumada,  foi atingida no corpo, nos braços e na cabeça por  um bando de doces passarinhos enquanto explicava a ele o quanto essa adorável natureza pode ser idílica.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Diário Bípede

No paralelo 30 do hemisfério sul, região habitada por criaturas tradicionalmente conhecidas como gaúchos, uma bípede amanheceu com as pernas doloridas, as duas, não só a esquerda sempre tão insistente em incomodar, e com os dedos das mãos doendo de tanto limparem livros e organizarem um novo velho escritório. De acordo com outros moradores do paralelo 30 do hemisfério sul, região habitada por criaturas tradicionalmente conhecidas como gaúchos,  a tal bípede amanheceu  também enjoada e segue enjoada por causa do forte cheiro de mata cupins borrifado às toneladas nos novos velhos móveis do agora novo velho escritório. " Ainda bem que está fazendo calor e as janelas podem ficar abertas",  disse um  bípede após testemunhar uma sessão de espirros. Os velhos novos móveis, depois de um ano abandonados à própria sorte, faziam parte da mobília do famoso doutor Karamázov dos campos de cima da serra, aquele senhor encarregado de inocular comportamentos russos em quem nasceu mais tropical, e agoram suportam, destituídos de qualquer fidalguia ou neve, todo o aparato de uma bípede essencialmente exagerada, colorida e brazuca.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Enquanto a proclamação não vem!

Não parece apropriado, mas a criatura está a se rir sem nem saber ao certo o porquê, talvez, por estar a montar uma coleção Mia Couto e outra Agualusa, ainda que tímida, que por hora, desse bípede, possui apenas dois livros, mas, como dizem  por aqui: dois é bom, pelo menos por um tempo! Então, a proclamação da bipedice segue alienada e esquecida dentro de uma sacola ou de uma caixa de all star, que a criatura despótica tem também uma veia pop tal qual uma Maria Antonieta à moda Sofia, mas só isso, nada mais, que, em tempos de era pós urnas, encontra-se até animada com a Dona Dilma, agora, dona presidente, que ninguém mais é obrigada a sonhar com uma ilha feita de Barbies, e a criatura, que não votou na Dilma, de repente, simpatiza com ela, muito, muito, e vai ver simpatiza porque é verão e, no verão, o chapéu de palha aperta ou a cabeça cresce, e a da criatura está em larga expansão, ampliando-se macia,   ainda que digam que ela tem a cabeça dura. E tem. Tem para colidir quando há impacto, que a tal cachola um dia despencou com sua dona morro abaixo e de bicicleta e fez bum BUM  em um rua ladrilhada de brutos e acordou deitada em um travesseiro de plumas e em cama esplêndida e na casa de um príncipe desencantado,  oh,  príncipe, querendo apenas saber qual  dia estava escrito no céu? E, se ninguém respondeu, como é que a atarantada há de saber?! Se você sabe, por favor, diga!
Olhos abertos para o mar. A imaginação descansando no silêncio, na água morna, sendo ninada em uma rede azul, pedaço de céu e água tecido com zelo enquanto as palavras não vêm.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Proclamação da Bipedice

O blog Bípede Falante, no momento apenas bípede, volta a falar, com algumas alterações, no próximo dia 15. Por hora, encontra-se massacrado pela sua autora despótica em regime quase monárquico e escravagista e torcendo para que chegue logo o dia da proclamação da República. Oh, blog. Pobre, blog!

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Fechado pra balanço


Blog fechado pra balanço. Comentários também fechados para evitar dilemas. Beijo pra todos. BF

Chuva

água da chuva para lavar o carro
água da chuva para lavar o prédio
água para levar a água
água amarela nas paredes,
cinza e florida no chão.
água  enxame de abelha contra as vidraças.
água e John Lennon
and his woman and his hardly express.
água gelada na garrafa.
água fervendo no copo.
água no corpo.
água nos olhos,
nos olhos escuros
feito água
sem água
sem céu
e
sem chuva.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

A bípede day

Um bípede day não acontece todos os dias. E, em um bípede day, a bípede chora de felicidade em meio a 50  mil pessoas. E quem é que chora de felicidade e pelo quê? A bípede, pelo Paul McCartney. E pouco importam as três horas de espera pelo show debaixo de um sol de 33 graus, porque a bípede queria um lugar feliz para cantar e dançar e, se o ingresso era no gramado pista livre, a missão não era assim tão simples. E a bípede tem uma boa altura, mas tem gente que tem muito mais e, se ela não usa salto alto nem para ir jantar, não seria para um evento desses que colocaria um par. Então, ela foi com o nike rosa e verde, que a bípede tem um tênis a la Mangueira, chegou cedo, pegou um lugar junto à grade depois da área vip, que a bípede é do povo,  e ainda deu sorte de ter ali, no chão, uma plataforma de borracha preta de uns 10 cm de altura e, bah, tri legal, como falou o Paul brincando com as nossas gírias sulistas, ela pode sentir-se no céu, ainda que algumas nuvens tenham tentando roubar-lhe o azul, mas a bípede é de Vacaria, e ser de Vacaria aqui no sul tem um significado, que dizem que as meninas de Vacaria têm facas nas botas, ou seja, estão sempre prontas para uma peleia de morte e de vida mesmo que seja contra um ginete, o que, às vezes, pode parecer um mau feitio, o que não é verdade, porque elas são também muito delicadas, florzinhas do campo, perfumadas, coloridas e com alguns, só alguns, discretos espinhos.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

De onde eu venho II

De onde eu venho, trago  livros que aqueciam as mãos da família e a uniam em um altar  de separações e de palavras quase não ditas. De onde eu venho, havia uma grande árvore em que o frio sombreava os sonhos e mutilava os pássaros em nome de uma raiz e de muitas vaidades. De onde eu venho, a casa era um ventre derramado sobre o assoalho em que as peças faziam das criaturas um jogo e ignoravam o quanto o amor implica vigília.  

De onde eu venho

" De onde eu venho o medo
  já foi a própria casa " (Paula Tavares)
 

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Silly girl


Porque a silly girl vai viajar e precisa de um pouco de encanto, lá vai a Martha, my dear.
Porque roça a minha pele, o  abandono, e  estanca, com seu ruído, a chave que move os meus sonhos, batem-se, sem demonstrar cansaço, as portas fechadas dos percursos que guardam percursos. Porque cambaleiam em minha pele  os passos que não escuto, ficam marcadas as pegadas de uma outra direção. Porque não consigo transformar em palavras as minhas lágrimas, cedo ao silêncio e  a chuva com que rego a solidão.


domingo, 31 de outubro de 2010

Xeque-viva

Não tenho culpa de jogar sobre ti o manto do meu ofício e de te perseguir feito um faminto, eu que não tenho  forma e flutuo e  que faço do teu corpo um nada, que tirá-lo não me sacia ou ilude, que as ilusões são tuas, e elas são tão frágeis quanto o teu esconderijo, porque, se quero, te vejo e, se quero, te levo e te bebo e te martirizo ou poupo ou poderia, mas tu aguças a minha admiração, e a minha admiração acorda a minha inveja, que me consome com sua gosma e me ordena que te massacre, que ela é impetuosa e conta os nós em um rosário de ódios e te quer, oh, moça, e te quer do avesso, amputada, podre e com vida.

sábado, 30 de outubro de 2010

Seven Seconds


Nesse super mundo, cheio de gente que não se conhece e se conhece, estamos todos tão longe e tão perto, que, às vezes, é como se fossemos nos encontrar na próxima esquina.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Porto Alegre


A situação é a seguinte: eu moro aqui. Porto Alegre. Happy Harbor, na gozação. E a cidade não é a cidade, mas, editada, até parece ser. Não que não seja. É um pouquinho. E eu gosto dela muito mais do que eu gostava da cidade em que nasci e vivi gélidos invernos. Seria melhor se ela fosse mais para cima, geograficamente falando, que estar no sul é estar no sul, o que pode ser traduzido de diversas maneiras, inclusive na bem chata de ter de pegar um avião para São Paulo ou para o Rio de Janeiro cada vez que  a gente quer se auto-exportar por uns dias e que implica ter de ficar zanzando dentro de um aeroporto o dia inteiro até a hora de levantar voo para o resto do mundo. Ruim não é, mas bom...

p.s. Vídeo roubado do blog do meu irmão Terráqueo, que já saiu daqui faz tempo.

Pássaro

Pousa o seu pássaro sobre o voo da minha inquietação; une com a sua umidade as partes birfucadas pela lâmina das dúvidas e assombradas pela ausência das suas cores; deseja-me, cobiça-me, enche-me de açúcar para que a minha respiração se transforme em um verbo e conjugue, em suspiros, os espinhos e os tormentos que se escondem sob o meu corpo ainda sem jardim.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Who drove the red sport car?

Porque depois de percorrer todo o trajeto, percebeu que ele não foi cumprido, chora a moça que passa naquele carro vermelho. Porque depois de ter desejado que o trajeto se resumisse a uma casa quentinha com vozes que carregassem carinhos, chora a moça que passa no carro vermelho. Porque depois de ter se debatido contra as próprias memórias e visto que nada pode ser destruído, chora a moça que passa naquele carro vermelho. Porque o passado está sempre a acelerar o presente e o futuro e a exigir a sua continuidade, chora a moça que passa no carro vermelho. Porque usa, a moça, óculos de sol e o dia está claro e ela não sabe uma oração, nem mesmo a de São Bento,  ninguém repara, nem mesmo ela, o quanto chora quem passa naquele carro vermelho.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Black Mamba

Não adianta tossir que ela não sai, fica lá na garganta arranhando o bom humor e  acionando a caixa de raivas, que o volume faz uma carga pesada e precisa de rodinhas, talvez, um caminhão, para poder dar o fora e quem sabe cair sobre a víbora que agora caminha de lá para cá na  rua, fazendo do meu predinho hospitaleiro o seu pseudoponto de prostituição, que a criatura rodou a bolsinha lá pelas bandas da casa de meu pai, aquele senhor tão distinto de aparência meiga e espírito russo que amava tanto a minha mãe e colocou em seu lugar uma criatura maligna em um piscar de olhos, ele, o legítimo Karamazov morto de morte morrida depois do abandono da serpente, que ela fez questão de deixá-lo um pouco antes da anunciada partida para que ele sentisse sabe-se lá que gosto e destilasse sobre os filhos sabe-se lá que veneno, que eu anotei na minha caderneta todas as delicadezas paternas, palavra por palavra e só não as coloco aqui,  porque todos vão achar que são  mentiras,  que ninguém quer acreditar, mas a  realidade é mil vezes mais impressionante que a fantasia.

sábado, 23 de outubro de 2010

A marcha do pijama

Ah, chateação que me persegue em forma de espirro e me faz tossir o sábado à noite e me deixa com o rosto pálido e um tanto febril e sem força dentro de um pijaminha de pinguins e sem saber se tomo mais um antiflamatório ou abro a caixa do antibiótico, que o tal antibiótico aciona uma dor maior no estômago e eu já carrego as da cabeça e de suas memórias, e sigo sem usar pantufas, que a teimosia não cede nesse império do contra ataque de um vírus fora de hora, que o inverno foi calmo e vacinado, e não tem quem me faça gostar de meias, que quem inventou as meias deve ter sido também um opressor quase tão mau quanto o que inventou as meias elásticas, tortura moderna disfarçada de medicina ainda que exista quem jure que a sensação é a mesma da água de uma piscina, o que é a  maior das mentiras e que me faz sentir vontade de usar as minhas para amarrar o falante no fundo de um riacho nada doce, bem diferente da receita antitosse, sei lá se com hífen ou sem hífen que eu abomino a reforma ortográfica, de um doutor entendido de bitacaias e nem perguntem nada que esse assunto rende e é outra história, e que, para mim, a dona da casa sem açúcar, é difícil de digerir porque o meu açúcar é o que se esconde nas frutas ou que vem em mimos, que eu gosto de ser mimada para compensar a minha infância de noites brancas repleta de recordações da casa Karamazov, sempre cheia  de idiotas e de demônios e outras criaturas imunes tanto aos seus crimes quanto aos seus castigos.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Bonecas

Por alguma razão, dividiram-se e desapareceram diante das palavras. Invisíveis, desagregaram-se da alma e, frente a frente com a própria matéria, perceberam o quanto se pareciam mesmo sendo uma de  plástico e outra de carne e osso.

Cães

Eles chegam em matilhas. Uns passam por mim tão rápido que mal sinto seus cheiros. Vão direto até ela e o seu par de sapatos de cetim azul-céu; outros, não. Sinto seus olhos farejando minhas pernas, meu sangue e esse casaco arco-íris florido. A princípio, um bem-estar me alegra, mas o momento não é para a festas; ela segue silenciosa no caixão, quase a me convecer de que não há entre nós uma relação feita de ossos. E, por isso, comemoro minha parcial vitória distribuindo sorrisos. Que desfrutem, os cães, de meus lábios e de meus dentes brancos antes que eu me entregue a criatura de personalidade sintética e anti-alérgica que, devagar, já me devora.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Caixa preta

Na cabeça, vive uma caixa preta. Vive e esconde-se lá no fundo como se fossem os  neurônios um grande oceano. A caixa preta, às vezes, emite sinais, e as ideias decodificam-se com clareza. Outras vezes, no entanto, ela desaparece e não há sonda ou submarino que a alcançe. A caixa preta pesa ou flutua e não funciona no piloto automático. Tem e não tem manual de instruções, guarda cores ou borrões e só parece sólida quando escapam, por entre as ferrugens,  inesperados tons de azul.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Labirinto

Não. Não se deite ainda sobre o assoalho das minhas palavras. Deixe os seus pés afagarem-se  com o toque dos meus humores e da interrogação dilatada que me percorre e desce à procura do meu ventre e verbo concebidos para arder em um labirinto de esperas enquanto você não me alcança.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Água boa

Ycatu ( de Olga Savary)

"E assim vou
com a fremente mão do mar em minhas coxas.
Minha paixão? Uma armadilha de água,
rápida como peixes
lenta como medusas,
muda como ostras."

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Caligrafia

Minha caligrafia adormecida escapa por entre as frestas da madeira que me molda. Misteriosa, nega-se a ser instrumento e esculpe-me os desejos como se fossem eles farpas necessárias. Farpas angulosas amarradas no desequilíbrio tinto de meu sangue abundante e impaciente para se inscrever em linhas que não estão em mim.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Da série ouvindo no carro - I'm yours





E lá ia a bípede na sua caranga vermelha quando  o Im yours, que ela adora, começou a tocar no cd e, então, ela com a sua bipedice eterna à espera da volta de um parafuso, lembrou que o Bom Sacana, o  estimado Pulha Garcia, tinha colocado  versões lá no Mínimo Ajuste. A oficial e  a do Ukelele, que a bípede é louca, muito louca, por esse bipedezinho!

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Os outros e ela

Os outros e ela.
Os outros não sabem.
Nem ela.
Os outros acham graça quando ela ri.
Não ela.
Os outros perguntam olá, como vai?
Aí dela.
Os outros se matam.
Cuidado com ela.
Os outros querem ser mortos.
Talvez, ela.
Os outros amam e sofrem.
Por que ela?
Os outros vivem.
E ela?

Leituras a partir de 1 de janeiro de 2012

1. Bilhete seco - Elisa Nazarian
2. Quando fui morto em Cuba - Roberto Drummond
3. O retrato de Oscar Wilde Fragmentos
4. Estrela miúda breve romance infinito - Fabio Daflon
5. Poemas - Wislawa Szymborska
6. Mar me quer - Mia Couto
7. Estive em Lisboa e lembrei de você - Luiz Ruffato
8. O pai invisível - Kledir Ramil
9. Poemas de Eugénio de Andrade - Seleção, estudo e notas de Arnaldo Saraiva
10. Os da minha rua - Ondjaki
11. A máquina de fazer espanhóis - Walter Hugo Mãe
12. Vigílias - Al Berto
13. Poemas concebidos sem pecado - Manoel de Barros
14. Face imóvel - Manoel de Barros
15. Poesias - Manoel de Barros
16. Compêndio para uso dos pássaros - Manoel de Barros
17. Gramática expositiva do chão - Manoel de Barros
18. Matéria de Poesia - Manoel de Barros
19. Arranjos para assobio - Manoel de Barros
20. Livro de pré-coisas - Manoel de Barros
21. O guardador de águas - Manoel de Barros
22. Concerto a céu aberto para solos de ave- Manoel de Barros
23. Quinta Avenida, 5 da manhã - S. Wasson
24. A literatura em perigo - Tzvean Todorov
25. O remorso de Baltazar Serapião- Walter Hugo Mãe
26. Lotte & Zweig - Deonísio da Silva
27. Indícios flutuantes (poemas) - Marina Tsvetáieva
28. A duração do dia - Adélia Prado
29. Rua do mundo - Eucanaã Ferraz
30. Destino poesia Antologia - organização Italo Moriconi. Ana Cristina Cesar, Cacaso, Paulo Leminski, Torquato Neto e Waly Salomão
31. Tarde - Paulo Henriques Britto
32. Correnteza e escombros - Olavo Amaral
33. Nelson Rodrigues por ele mesmo
34. A última coisa que eu pretendo fazer na vida é morrer - Ciro Pellicano
35. O encontro marcado - Fernando Sabino
36. O óbvio ululante - Nelson Rodrigues
37. O grande mentecapto- Fernando Sabino
38. O homem despedaçado - Gustavo Melo Czekster
39. Dia de São Nunca à tarde - Roberto Drummond
40. O canto do vento nos ciprestes - Maria do Rosário Pedreira
41. Antes que os espelhos se tornem opacos - Juarez Guedes Cruz
41. Desvãos - Susana Vernieri
42. Um pai de cinema - Antonio Skármeta
43. No inferno é sempre assim - Daniela Langer
44. Crônicas de Roberto Drummond.
45. Correio do tempo - Mario Benedetti
45. Gatos bravos morrem pelo chute - Tiago Ferrari
46. Gesso & Caliça - Alberto Daflon Filho e Fabio Daflon
47. A educação pela pedra - João de Cabral de Melo Neto
48. O fio da palavra - Bartolomeu Campos de Queirós
49. Meu amor - Beatriz Bracher
50. Os vinte e cinco poemas da triste alegria - Carlos Drummond de Andrade
51. A visita cruel do tempo - Jennifer Egan
52. Cemitério de pianos - José Luis Peixoto
53. O amante - Marguerite Duras
54. Bonsai - Alejandro Zambra
55. Diciodiário - Valesca de Assis
56. Não tenho culpa que a vida seja como ela é - Nelson Rodrigues
57. Lero-lero - Cacaso
58. O livro das ignorãças - Manoel de Barros
59. Livro sobre nada - Manoel de Barros
60. Retrato do artista quando coisa - Manoel de Barros
61. Ensaios fotográficos - Manoel de Barros
62. A queda - as memórias de um pai em 424 passos - Diogo Mainardi
63. Junco - Nuno Ramos
64. Os verbos auxiliares do coração - Peter Estérhazy
65. Monstros fora do armário - Flavio Torres
66. Viagem - Cecília Meireles
67. Cora Coralina - Seleção Darcy França Denófrio
68. Instante - Wislawa Szymborska
69. Dobras do tempo - Carmen Silvia Presotto
70. Eles eram muitos cavalos - Luiz Ruffato
71. Romanceiro da inconfidência - Cecília Meireles
72. De mim já nem se lembra - Luiz Ruffato
73. O perseguidor - Júlio Cortázar
74. Paráguas verdes - Luiz Ruffato
75. Todas as palavras poesia reunida - Manuel António Pina
76. Vidas secas - Graciliano Ramos
77. Inferno Provisório Volume II O mundo inimigo - Luiz Ruffato
78. O ano em que Fidel foi excomungado - José de Assis Freitas Filho
79. Boneca russa em casa de silêncios - Daniela Delias
80. As cidades e as musas - Manuel Bandeira
81. Billie Holiday e a biografia de uma canção Strange Fruit - David Margolick
82. Inferno Provisório Volume III Vista parcial da noite - Luiz Ruffato
83. Inferno Provisório Volume V - Domingos sem Deus
84. Inferno Provisório Volume IV - O Livro das impossibilidades - Luiz Ruffato
85. Pedro Páramo - Juan Rulfo
86. Zazie no metrô - Raymond Queneau
87. Fora do lugar - Rodrigo Rosp
88. Salvador abaixo de zero - Herculano Neto
89. Inferno Provisório Volume I - Mamma, son tanto felice - Luiz Ruffato
90. A virgem que não conhecia Picasso - Rodrigo Rosp
91. Claro Enigma - Carlos Drummond de Andrade
92. Tempo dividido - Sophia de Mello Breyer Andersen
93. A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

Leituras a partir de 1 de janeiro de 2011

1.Desgracida - Dalton Trevisan
2.Diário de um banana - Jeff Kinney
3. Poemas escolhidos, seleção de Vilma Arêas - Sophia de Mello Breyner Andresen
4. Oportunidade para um pequeno desespero - Franz Kafka
5. Venenos de Deus, remédios do Diabo - Mia Couto
6. Ventos do Apocalipse - Paulina Chiziane
7. Para gostar de ler - Contos Africanos
8. Vinte e zinco - Mia Couto
9. O Vendedor de passados - José Eduardo Agualusa
10. O Fazedor - Jorge Luís Borges
11. Terra Sonâmbula - Mia Couto
12. Barroco Tropical - José Eduardo Agualusa
13. Quem de nós - Mario Benedetti
14. O último voo do flamingo - Mia Couto
15. A carta de Pero Vaz de Caminha: o descobrimento do Brasil - Silvio Castro
16. Na berma de nenhuma estrada e outros contos - Mia Couto
17.O reino deste mundo - Alejo Carpentier
18. Como veias finas na terra - Paula Tavares
19. Baía dos Tigres - Pedro Rosa Mendes
20. O português que nos pariu - Angela Dutra de Menezes
21. Cem anos de solidão - Gabriel Garcia Marquez
22. Vermelho amargo - Bartolomeu Campos de Queirós
23. Meu tipo de garota - Buddhadeva Bose
24. Tradutor de Chuvas - Mia Couto
25. O livro das perguntas - Pablo Neruda
26. O fio das missangas - Mia Couto
27. Luka e o fogo da vida - Salman Rushdie
28. Pawana - J.M.G. Le Clézio
29. O africano - J.M.G. Le Clézio
30. O pescador de almas - Flamarion Silva
31. Um erro emocional - Cristovão Tezza
32. O amor, as mulheres e a vida - Mario Benedetti
33. A cidade e a infância - José Luandino Vieira
34. História do olho - Georges Bataille
35. Destino de bai- antologia de poesia inédita caboverdiana
36. O tigre de veludo- E. E. Cummings
37. Poesia Soviética - Seleção, tradução e notas de Lauro Machado Coelho
38. A cicatriz do ar - Jorge Fallorca
39. Refrão da fome - J.M.G. Le Clézio
40. As avós - Doris Lessing
41. Vozes Anoitecidas - Mia Couto
42. O livro dos guerrilheiros - José Luandino Vieira
43. Trabalhar cansa - Cesare Pavese
44. No teu deserto - Miguel Sousa Tavares
45. Uma canção para Renata Maria - Ediney Santana
46. Sete sonetos e um quarto - Manuel Alegre
47. Trópico de Capricórnio - Henry Miller
48. Sinais do Mar - Ana Maria Machado
49. Carta a D. - Andre Gorz
50. E se o Obama fosse africano? E outras interinvenções - Mia Couto
51. De A a X - John Berger
52. Diz-me a verdade acerca do amor - W.H. Auden
53. Poemas malditos, gozosos e devotos - Hilda Hilst
54. Outro tempo - W.H. Auden
55. nem sempre a lápis - Jorge Fallorca
56. Elvis&Madona - Luiz Biajoni
57. Budapeste - Chico Buarque
58. José - Rubem Fonseca
59. Axilas e outras histórias indecorosas - Rubem Fonseca
60. Instruções para salvar o mundo - Rosa Montero
61. A chuva de Maria - Martha Galrão
62. Rimas da vida e da morte - Amós Oz
63. Aqui nos encontramos - John Berger
64. Pensatempos textos de opinião - Mia Couto
65. Os verbos auxiliares do coração - Péter Esterházy
66. Cartas a um jovem poeta - Rainer Maria Rilke
67. A canção de amor e de morte do porta-estandarte Cristovão Rilke - Rainer Maria Rilke
68. Adultérios - Woody Allen
69. Quem me dera ser onda - Manuel Rui
70. Satolep - Vítor Ramil
71. Homem Comum - Philip Roth
72. O animal agonizante - Philip Roth
73. Paisagem com dromedário - Carola Saavedra
74. Não te deixarei morrer, David Crockett - Miguel Sousa Tavares
75. Orelhas de Aluguel - Deonísio da Silva
76. Travessia de verão - Truman Capote
77. Avante, soldados: para trás - Deonísio da Silva
78. Antes das primeiras estórias - João Guimarães Rosa
79. O outro pé da sereia - Mia Couto
80. O cemitério de Praga - Umberto Eco
81. A mulher silenciosa - Deonísio da Siva
82. Livrai-me das tentações - Deonísio da Silva
83. A mesa dos inocentes - Deonísio da Silva
84. Hilda Furacão - Roberto Drummond
85. A estética do frio - Vitor Ramil
86. Poetas de França - Guilherme de Almeida
87. Tarde com anões 7 minicontistas - Carlos Barbosa, Elieser césar, Igor Rossoni, Lidiane Nunes, Mayrant Gallo, Rafael Rodrigues e Thiago Lins.
88. Pensageiro Frequente - Mia Couto.
89. A palavra ausente - Marcelo Moutinho
90. Uma mulher -Péter Esterházy
91. Cartas de amor - Fernando Pessoa
92. A última entrevista de José Saramago - José Rodrigues dos Santos
93. A morte de D.J. em Paris - Roberto Drummond
94. Do desejo - Hilda Hilst
95. Cenas indecorosas - Deonísio da Silva

Leituras a partir de 19 de Julho de 2010

1. La Hermandad de la uva - John Fante
2. Nem mesmo os passarinhos tristes - Mayrant Gallo
3. Um mau começo - Lemony Snicket
4. Recordações de andar exausto - Mayrant Gallo
5. Ladrões de cadáveres - Patrícia Melo
6. O mar que a noite esconde - Aramis Ribeiro Costa
7. Há prendisajens com o xão - Ondjaki
8. E se amanhã o medo - Ondjaki
9. O último leitor - Ricardo Piglia
10. Par e ímpar - Tatiana Druck
11. Paris França - Gertrude Stein
12. Quirelas e cintilações - Luiz Coronel
13. AvóDezanove e o segredo do soviético - Ondjaki
14. Luaanda - José Luandino Vieira
15. Poemas para Antonio - Ângela Vilma
16. Estranhamentos - Mônica Menezes
17. A vida é sonho - Calderón
18. A varanda do Frangipani - Mia Couto
19. Um copo de cólera - Raduan Nassar
20. Antes de nascer o mundo - Mia Couto
21.Lavoura Arcaica - Raduan Nassar
22- Poemas da ciência de voar e da engenharia de ser - Eduardo White
23. Manual para amantes desesperados - Paula Tavares
24. Materiais para confecção de um espanador de tristezas - Ondjaki
25. Milagrário Pessoal - José Eduardo Agualusa
26. Felicidade e outros contos - Katherine Mansfield
27. Estórias abensonhadas - Mia Couto
28. Fábulas delicadas - Eliana Mara Chiossi
29. O Ulisses no Supermercado - José de Assis Freitas Filho
30. Cartas Exemplares - Gustave Flaubert
31. A Moça do pai - Vera Cardoni
32. Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra - Mia Couto
33. Dentro de mim faz sul seguido de Acto Sanguíneo - Ondjaki
34. Bonequinha de Luxo - Truman Capote
35. 125 Poemas - Joaquim Pessoa.

Mundo bípede


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