terça-feira, 25 de abril de 2017

Cartão postal


I

A mala está vazia
A nuvem perdida entre as cobertas
A água vazada além do box
O pensamento transpirado sobre o corpo
O silêncio grudado nos ouvidos
Maior que os ouvidos
Maior do que o exílio
E que a chegada
E a partida
Em que perderam o jogo
Ele, ela e a fome diluída.

II


A luz acesa
A luz apagada
A cama revirada
O pijama jogado
O cálice vazio
O cálice pela metade
O silêncio absoluto
A frase súbita
A resposta súbita
O vulto grande
As horas vencidas
O assombro
A indiferença 
A manobra
A falta de justiça
O coração
Tudo
Todos
Todos imóveis
E jogados sobre a mala
Mais e mais vazia.

quinta-feira, 20 de abril de 2017

Não há amanhã

Passei este mês de abril me debatendo com o Não há amanhã, de Gustavo Melo Czekster. Em alguns dias, houve pequenas tréguas e nós, o livro e eu, de comum acordo dissemos não um para o outro e fomos cada um para o próprio silêncio. As razões para o afastamento são tão complexas que acredito que haja certa inutilidade em tentar explicá-las. Mas mesmo assim tentarei. E tentarei por duas razões: porque nós, o livro e eu, somos do tipo que sabe que os embates foram feitos para aqueles que sabem e merecem fazer as pazes e porque a literatura em questão dá uma substância às palavras que até hoje eu encontrei pouquíssimas vezes. De forma constante e avassaladora, no mundo trêmulo de Dostoiévski, provavelmente, o autor mais doido, equilibrado e competente para falar sobre aquilo que explode dentro de cada pessoa, pouco importando nacionalidades, gêneros, idades, contas bancárias, gostos etc. de todos os tempos. Sim, eu gosto de expressões fatalistas como “de todos os tempos”. Pois bem, não deve ser à toa que o Gustavo Melo Czekster também tem sangue russo e não deve ser à toa que ele também sabe transformar uma mágoa individual em uma mágoa coletiva até que todas as mágoas se configurem em uma espécie de único e inevitável destino. Destino dele, meu, seu, nosso, da humanidade. Não sobra máscara sobre máscara, não há face que não receba razão e sombra nos contos do Não há amanhã. Portanto, não há mentiras. Há imaginação, fantasia, delírios passeando por entre as páginas. E há, sobretudo, verdade. Verdade revelada com arte, a indestrutível senhora tão poderosa e imortal quanto a morte.

quarta-feira, 15 de março de 2017

Carta à mãe


Porto Alegre, 15 de março de 2017

Oi, mãe, minha Tibicuera,

Nunca imaginei que fossemos ficar tanto tempo sem nos falar. Em junho, fecham vinte anos... Duas décadas redondas. Lembra como eu era birrenta quando menina e me fechava no meu quarto para não ter de te ouvir? Você ria e, nossa, como isso me deixava zangada. Era para você sofrer, e você achava graça. Sim, mãe, você era cheia de graça, de leveza, de beleza. Eu queria muito crescer naquela época. Queria que as horas me dessem sua altura, seu porte, seus dentes grandes e alinhados. Queria a agilidade das suas palavras, dos seus dedos suaves e redentores sobre nós, sobre a casa, sobre a cidade. Mãe, eu pensava que você era uma cidade. E você era um planeta. Você carregava sua dimensão em nosso nome, e eu não compreendia. Não compreendia por que você passava tardes enchendo as unhas de terra para que tivéssemos tantas árvores quanto livros. Não entendia por que você se fechava no seu atelier, com aquele cheiro forte de Izaras e tinta à óleo, e achava tão difícil desenhar minha boca, eu bípede falante desde pequena, eu a caturrita da família. Hoje, entendo. Entendo a extensão das raízes, das sombras e dos frutos que só a natureza nos traz.  E entendo que em cada tela, mesmo as que não eram os nossos retratos, você estava nos escrevendo uma carta. As paredes dessa casa em que vivo, com um ar barroco como você diria, estão cobertas de mensagens suas. Nem sempre posso lê-las, mãe.  Mas eu não as esqueço. No ano passado, esqueci sua voz. Me perdoe. A dor que sinto já é um castigo. Mas, juro, nada além disso foi perdido. Você, meu big bang, me orbita, une os meus mundos, me gira, me aproxima do sol, da lua e do sentido da vida.
Eu gostaria tanto de te desejar feliz aniversário, tanto, mãe...

quarta-feira, 1 de março de 2017

Meu nome foge de minha boca

Meu nome foge de minha boca
e sob o escudo da infância
brinco
que sou boneca
de luxo e de lixo.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Da arte de ser dois

Eu sei. Não é novidade alguma eu vir aqui falar que sinto falta dos meus pais. 
Todo filho sem um ou sem os dois, não importa a idade, sente-se órfão.
Órfão do afeto, órfão do olhar e órfão até das palavras pai e mãe.
Mesmo quem tem filhos se sente órfão das palavras. Porque ouvir pai e mãe não é o mesmo que dizer pai e mãe. E aqui, que fique claro, não estou a atribuir um juízo de valor. 
Mais do que cada um sabe onde seu sapato aperta, cada um sabe onde seu coração aperta.
E o meu, por me apertar tanto, vem me fazendo pensar no que havia de especial na dupla que me fez, no que havia de especial neles juntos e não em suas singularidades.
E a resposta é bem simples. Simples de revelar. Talvez, seja extremamente complexa de construir.
Os meus pais, independentemente de suas origens, de seus gostos, de seus projetos pessoais, de seus dons, de seus tropeços, de suas diferenças etc., sabiam manter a autoestima um do outro.
Não importava a fase, estivessem eles mais ou menos felizes, mais ou menos saudáveis, mais ou menos produtivos, mais ou menos ricos, com mais ou menos problemas, eles mantinham a autoestima do outro em pé e não se afastavam.
O corpo da minha mãe se desmanchou na curva perigosa dos cinquenta, mas ela morreu inteira por causa do meu pai.
Já meu pai morreu despedaçado em todos os sentidos por causa da ausência de minha mãe. Teria sido diferente se ela estivesse aqui não tenho a menor dúvida.
Deve ter sido dificílimo para ele ficar sozinho na trincheira que pertencia aos dois...
Deve ter sido mais do que o fim.
 



quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Volta na quadra


Na volta na quadra com meus quadrúpedes, converso com um operário da obra que começou aqui ao lado. Ele me diz que vão derrubar de vez o sobrado antigo. Pergunto sobre o número de andares do prédio. Três, talvez façam um quarto. Abro o sorrisão. O horizonte seguirá na minha janela. Sigo em frente, paro na casa da Tita, a chamo, e ela não vem. Nem sinal de novo. Faz dias que ela não vem... Ligo o botão do otimismo e digo para Bono e Fifinho que ela deve ter saído de férias. Sigo mais um pouco e vem subindo a lomba duas moças de salto agulha alto, tão alto, mas tão alto que chega a dar vertigem. Paro para observar. A única vez em que tentei calçar algo parecido, balancei para frente, para trás e quase gritei "madeiraaaa". Elas não perdem o rebolado. Conversando como se nem tivessem pés, param em frente a um carro, a motorista abre a porta, entra e senta. Eu espicho o pescoço. Ela vai trocar os sapatos por um baixinho. Vai trocar. Tem de trocar. Que nada! O carro faz ram rom ram e eu fico, na calçada, com a minha bipedice, realmente, abismada...

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Desafio poético de Tânia Contreiras - blogue Roxo - Violeta


Para Tânia Contreiras, sempre poesia...


Turvam-se as palavras sobre a mesa
dentro dos voos e das sílabas
dos batimentos calados
das verdades não esquecidas.
Perde-se o moinho
da cabeça, do  vento.
E nada seca a fonte
ou traz  a cura.

terça-feira, 8 de março de 2016

Pedindo para apanhar





Desde novembro, eu não entrava aqui no bípede.
O tempo, o meu, ganhou muitas pernas de uns anos para cá. 
Se ele pudesse usar calçados, deixaria Cinderela e Imelda Marcos doentes de inveja. 
Eu poderia também citar a Carrie, made in NYC, obsedada por Manolos e Louboutins e por se submeter a um verdadeiro shopping de humilhações para ter o "coração" de um tal Mr.Big: um fulano, sapato apertado,tão grande quanto pequeno.
Poderia...
Mas o assunto não é esse.

Nem sei se é o tempo. 

Talvez seja sobre o tempo de cada um de nós. 

De cada um, não!
De cada uma de nós, as mulheres: o bicho esquisito com data de validade e com data para comemorar. Na verdade, duas: a de hoje e a que divinizam como o dia das mães. 
Ah, tem também aquela famosa vestida de branco e perfumada de felizes para sempre. Com essa, desculpem, não gasto segundos. 
São três?
Pois bem.
Não curto nenhuma. 
Ai que azedume vão pensar. Divorciada dá nisso.
Divorciada que lê Simone de Beauvoir então, haja!
O fato é que o tempo não tem sido o mesmo para os homens e para as mulheres.
Dizem que nós somos mais longevas. 
Minha mãe morreu, proporcionalmente, vinte anos mais jovem que o meu pai.
Já com a mãe dela aconteceu o contrário. 
Portanto, esse dado não serve bem como referência.
O de que levaremos pelo menos setenta anos, contado de agora, para receber os mesmos salários de um homem, sim.
O de que depois de uma jornada de trabalho, trabalhamos pelo menos o dobro de horas que um homem com afazeres domésticos, coisas da casa, dos filhos, das pessoas que amamos,sim.
O de que amamentar, cuidar,  ninar, levar o filho para a escola, para o dentista, no pediatra, para cortar os cabelos, no  cinema, na casa dos amigos, tudo isso dentro de um universo em eterna fase de crescimento, sim.
O de que precisamos passar horas entediantes em um salão de beleza, fazendo depilações, hidratações, tinturas, mechas, consertando unhas quebradas, roídas, arranhadas de cansaço, sim.
O de que não estamos nem risivelmente representadas em uma câmara de vereadores, quem dirá em um congresso, senado,sim.
O de que aqui, na terra brasilis, há cada sete minutos há uma denúncia de agressão física contra uma mulher, sim.
O de que precisamos nos encaixar nos itens acima listado, e que eu poderia estender a zilhões se tivesse tempo, simplesmente para não decepcionar os senhores e senhoras donos dos nossos egos, sim.
Sim. Sim. Sim.
Sim para todos eles e, infelizmente, para outros  mais...


ps. " Tudo o que os homens escreveram sobre as mulheres deve ser suspeito, pois eles são, a um tempo, juiz e parte." (Poulain de La Barre)

    Tudo o que os homens e as mulheres escreveram sobre as mulheres e sobre os homens deve ser suspeito, pois somos todos, a um tempo, juiz e parte. (Bípede falante pedindo para apanhar. Mas em mulher não se bate nem com flor, não é? hahahaha)





terça-feira, 8 de dezembro de 2015




domingo, 15 de novembro de 2015

A morte não pede licença


                                 
O escritor húngaro Imre Kertész sobreviveu a Auschwitz com apenas 14 anos de idade. Em seu livro Um outro crônica de uma metamorfose, diz que o horror da morte não está na morte em si, mas na descoberta de se estar completamente perdido diante dela.
Nos atentados coordenados em Paris, a morte, desencadeada por atos premeditados, exerceu seu papel dilacerante de ser também uma espécie de labirinto urbano do mal.
Labirinto em que nós, criaturas da civilização ocidental, podemos ser jogados, como em um sorteio, por fanáticos suicidas para morrer ou para servir de mensagem aos demais a qualquer momento. O campo de batalha estará aonde estivermos: café, estádio, escola, metrô, calçada, terra, água e ar. Algo como: daqui para frente, não temam mais fantasmas e bruxas, temam a nós, seremos tão onipresentes e onipotentes quando deus.
As razões para uma ameaça de tamanha envergadura, dentro da lógica do ISIS ou de outros grupos terroristas, em geral, se justificam em nome de deus e daquilo que eles entendem como sendo divino e justo. Entendimento, no mínimo, parcial do que é a justiça entre os homens.
Já nós, dentro da tradição judaico-cristã, dizemos que fomos feitos à imagem e semelhança de deus. Eu, particularmente, duvido e por uma série de motivos, sendo o principal o fato de deus ter sido obrigado a optar por um gênero. Prefiro a fala de Nietsche: o homem, em seu orgulho, criou Deus, a sua imagem e semelhança. O que não significa que eu não acredite em um poder criador. Tampouco que sim.
O fato é que sofremos também, como os terroristas, da ilusão de que deus está do nosso lado. Do nosso lado está a nossa capacidade de ponderar, de pensar e de se constituir como uma espécie.
Meu trecho favorito no Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa, na verdade, se resume a uma frase: estou hoje lúcido como se não existisse. Para mim, é disso que os acontecimentos recentes tratam: da lucidez; no caso, da falta de. 
Portanto, temos de nos pensar como um todo. Ou somos seres racionais ou não. Ou existe humanidade ou não. Perder uma parte dela já é nos colocar em risco de extinção. Nós temos vocação para a extinção. De guerra em guerra, temos clamado por ela, ignorando que a existência não é infinita e que a morte pode estar mesmo cansada, ansiosa para abocanhar, de uma só vez, o que nos resta de vida.

domingo, 1 de novembro de 2015

Ficções das pequenas incertezas I


        É bem provável que ela diga daqui pra frente narro a vida sem você. Diga quase levemente, assim como quem não quer nada, parecendo menina, deixando as palavras derreterem-se pelo corpo inteiro, de cima abaixo, maculando o vestido, a pele, os pés. É bem provável que ela prenda os cabelos em um coque e ajeite a pilha de livros sobre o criado-mudo, colorida como as fotografias tiradas no mercado de flores, antes de abrir as portas do armário e ordenar a ele que feche as da rotina. Ele, a sua bagagem de retorno e de ida, o seu silêncio de afagos e a sua metade agora mordida. 

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Em defesa da solidão




Dostoiévski, acusado de conspiração contra um czar, passou dez anos preso. Quatro deles em trabalhos forçados.
No livro Recordações da casa dos mortos, revela o horror de perceber, logo em sua chegada à Sibéria, que assim que fosse acorrentado a outro sentenciado não teria mais um único momento de solidão, nem mesmo para exercer suas necessidades fisiológicas. Tampouco para ler ou escrever.
Dali para frente estaria em um constante isolamento, no mínimo, a dois.
Mais ou menos como acontece com os casais que convivem sem ter mais um ponto em comum a não ser o vazio. 
No caso dele, um vazio involuntário, uma escravatura, já que não cabia a Dostoiévski, em momento algum, a decisão de encerrá-lo. A princípio, o  que lhe cabia era  entregar-se ao papel passivo da infelicidade. 
Em outras palavras, a dar cabo de sua existência intelectual e psíquica. Sucumbir a pulsão nomeada por Freud como de morte, aceitando a aniquilação de sua individualidade e de seus desejos. 
Pois Dostoiévski resistiu.
" A vida é a vida em qualquer lugar, a vida está em nós mesmos, e não no exterior", escreveu.
Freud admirava Dostoiévski. 
Freud se tornou Freud em parte por causa de Dostoiévski.
E quem disser o contrário pode se auto-apedrejar.
Na verdade, quem não souber o valor da solidão pode se auto-apedrejar também.
Estar só não é estar desamparado. A não ser que a pessoa em questão seja frágil, o que é perfeitamente possível, e pense que a solidão é um território de onde não se volta.
Talvez seja um em que os fracos não têm vez.
Mas o fato é que há sentido no isolamento, no silêncio, no resguardo. 
Na solidão, há espaço e tempo para a leitura interna, a de si mesmo, a dos próprios atos, registros, acertos e erros.
Leitura necessária para saber quem se é e quem se pode ser, o que, convenhamos, é essencial. 

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Ensina-me



      
Morte. Ninguém quer se apossar dessa palavra em causa própria. Tampouco, como no Sétimo selo, ser visto por ela.  Faz-se de tudo para eliminá-la. Que a distância seja sempre mantida! Que sua chegada seja um acidente no vocabulário! Não há acidente. Há a sensação de que se é.  Aonde quer que se vá, ela ronda e acontece porque é legítima, está no acordo. Não se trata de uma decisão, de uma escolha, ainda que alguns cometam suicídio. Suicídio, em raríssimas exceções, pode ser considerado um ato lúcido. Sándor Márai se deu um tiro aos oitenta e poucos anos. Sándor Márai comprou uma arma, fez curso de como atirar e ficou à espreita de seu último instante de autonomia, do limite em que estar vivo não é mais a mesma coisa que existir. E, pah, puxou o gatilho! Sepultou a si mesmo. Não houve negociação com deus.  Houve uma educação para o fim. É bem possível que sua professora se chamasse Literatura.
A literatura nos ensina a morrer. Os fatos, nos livros, acontecem além de nossos desejos, principalmente, dos desejos dos leitores.  A literatura tem função educativa. Diz o Umberto Eco, no Sobre a literatura, que “função educativa não deve ser compreendida apenas como a transmissão de ideias morais ou como a transformação do sentido do belo”.  Os escritores são humanos maus, o que não quer dizer que não sejam também pessoas boas. Mas são donos de destinos, portanto, dão cabo de personagens, respeitando mais a intenção de seus textos que ao curioso que depois vem dar vida ao que escreveram. Calafrios, tensão, lágrimas sobre uma folha de papel, oh, que maldade, é uma alegria. Missão cumprida. Os escritores, assim como o Márai, manejam armas e as detonam depois de ganhar confiança, a sua. São uma espécie de mãe, sejam eles homens ou mulheres, desprovida de afeto e do sentido de servidão imposto pela sociedade patriarcal. Idealizam, fecundam, geram e dão a luz às centenas de milhares, de milhões de seres para depois abandoná-los à própria sorte, torcendo, é verdade, para que alguns personagens sobrevivam em um leitor eternamente como eternamente resistem em nós as memórias maternas. Um livro é um útero. A linguagem é um cordão umbilical.
Simone de Beauvoir, no Segundo Sexo, esclarece: “desde o dia em que nasce, o homem começa a morrer: é a verdade que a mãe encarna.” Simone escreveu o Uma morte muito suave para exorcizar a  finitude da mãe dela. A senhora Beauvoir já tinha “idade”.  Enquanto se ia, os leitores da filha, benevolentes e inconvenientes, escreviam cartas, alertando-a: “Se não tivesse perdido a fé, a morte não a aterrorizaria tanto”, “Desaparecer não é nada: sua obra ficará”. A todos, Simone dava idêntica resposta. A religião não podia fazer mais por sua mãe que por ela, não podia oferecer nada além da esperança de um “sucesso póstumo”.  Ninguém podia fazer nada por elas, exceto as palavras, exceto a professora dona literatura com sua capacidade admirável de tornar a quem quer que seja uma criatura um pouco menos mortal.

domingo, 4 de outubro de 2015

Das coisas que não digo I



Da arte de escolher nuvens
e descobrir seus sexos
das rachaduras e trincas
do avesso
das coisas que não digo
e que não sei
da inutilidade de um par
de asas
do que cresce sobre as mãos
e se revela em 
desenhos e orgasmos
do que se fecha como uma
passagem e se colore
invisível
surge a palavra
incompleta e terna
do amor.

domingo, 20 de setembro de 2015

Ele está aqui - Parte II

          Uma breve conversa com o pato pintor:
­- O seu amigo não está?
- Não, ele passa a maior parte do tempo viajando à trabalho.
- E ele faz o quê?
- É marchand.
- Ah...
         Uma breve conversa no corredor com o ele que está aqui uns quinze dias, talvez um mês, quem sabe dois, depois da breve conversa com o pato pintor:
- Oi, menina, o pato pintor me falou que você gosta de arte!
- Muito.
- Eu também. Podíamos combinar de vocês jantarem lá em casa pra ver uns catálogos de uns  artistas novos.
-  Novos?
-  Novos em folha! Nessa sexta-feira fica bom pra vocês?
-  Claro, vamos sim! 
        Vamos sim! A frase dupla face. Duas palavrinhas, just two, like a tea for two, e, nos céus  da boca e dos temporais, temporadas sem adoçante se abrindo.  Um primeiro jantar e chá de hortelã na xícara. O chá do ele que está aqui. Chá depois da mesa posta para quatro e de nada do pato pintor aparecer, nem o pintor nem os catálogos. Chá de hortelã, outra vez, outra noite, depois da mesa posta para cinco e nada do pato pintor, dos catálogos e da namorada imaginária do ele está aqui  aparecerem. Chá de hortelã pela terceira vez depois da mesa posta para todos os convidados já mencionados e de todos estarem missing e de o ele estar aqui perguntar, espantando, quase tanto quanto eu, por que eu não trouxe o meu segundo ele, tão gatinho para comer na casa do tio, e de eu, então, pensar com os meus botões pregados no alarme, por que cargas maternas eu o deveria trazer, por que cargas um menino faria parte da refeição  e de  eu dar graças, profundas graças, também as minhas cargas de falta de educação  por ter sido indiferente e não ter combinado um jantar de retribuição logo após o primeiro  jantar quando o ele que está aqui bateu na minha casa, com aquela expressão escura,  para pedir uma vela emprestada e piscando nos olhos mais do que um pavio. Porque no ele que está aqui havia uma lanterna. Duas! E com uma bateria de ofuscar e dar inveja até  a um segundo e prometido sol desenhado pelo mais perfeccionista dos hiperrealistas. E eu vi. Não foi interpretação, não. Muito menos imaginação ou piração. Foi uma visão com ão maiscúlo do que queimava por ali.

To be continued...

sábado, 19 de setembro de 2015

A vida depois das palavras




No sorriso deles, do sorriso deles, vem a solidão. 
Balançam as cortinas e as cadeiras. Adormecem as certezas. 
Outro dia se viram. Sinal fechado para os carros; verde para eles. As listras brancas da faixa de segurança entre os corpos estáticos, intactos.
Ela de preto.
Ele de preto.
As peles pálidas como se o sol da cidade fosse sombra. E não houvesse mais flores, parques, redenção.
Não deram um passo.
Os relógios esqueceram do tempo.
Tempo desfeito.
Desordenado como eram os rompantes de ardor.
Desordenado como eram os bilhetes. As queixas. Os tremores. As declarações.
Ordenado como é a vidas depois das juras.
Das palavras.
E de tudo o que não foi.



domingo, 9 de agosto de 2015

Um primeiro acorda, Alice!

Então, a gente se achando muito criativa, independente, articulada e isso e aquilo chega ao século 21 quase do mesmo jeito que nossas tataravós alguma coisa chegaram ao 20. E as delas ao 19 e as delas delas ao 18 e por aí mais ou menos vai. Foi.
A gente diz não, imagina, eu pago minhas contas, eu  participo do processo eleitoral, viajo sozinha, dirijo meu carro, meu corpo e minha vida afetiva, social, intelectual até a morte e a reencarnação se deus quiser e eu acreditar.
Pois bem.
Há controvérsias.
Provavelmente, você pague suas contas. Parabéns! É uma conquista e não é pequena. Não é mesmo.
O que você não se dá conta é de que a maior parte dos homens que exercem a mesma função que você ganham mais que você. Em geral, 30%. E quanto mais qualificado for o cargo, maior fica a diferença. 
Ah, você pode ser funcionária pública concursada e estar recebendo o mesmo que o querido que senta a seu lado, portanto, se sente bem feliz. O que você pode não ter percebido é que talvez você ocupe esse cargo e não um mais desafiador, com mais poder e melhor remunerado porque você é mulher e não porque você realmente queria estar onde está.
Explico:
Na hora de se preparar para um concurso, por exemplo, do judiciário, mesmo sendo formada em direito, você prefere concorrer a uma vaga de analista que a uma vaga de juíza.
Por quê? 
Se você vai ter de estudar muito de qualquer forma, se você vai abrir mão de sua vida pessoal até ser aprovada, se você vai passar o resto da sua vida nesse batente, por que não almeja, digamos assim, o ponto mais alto?
O ponto mais alto não cabe a uma mulher?
O ponto mais alto tradicionalmente pertence aos homens, portanto, um ponto  na pirâmide já está de bom tamanho?
Ou você imagina que não vai conseguir? Que vai ser muito difícil?
Por que não conseguiria? 
A resposta é porque você é mulher, e as mulheres, historicamente, foram constituídas como inferiores, para se sentir inferiores e para temer.
As culturas, tanto orientais quanto ocidentais, trabalharam para isso praticamente desde o começo. Deram a largada muito antes da gente poder se declarar, de verdade, civilizada(o)s.
Lá no início, depois da idade da pedra, com a descoberta do cobre, do estanho, do bronze e do ferro, muitíssimo antes da depilação, da chapinha, do rímel, do salto alto, os queridos que agora sentam ao nosso lado, usando o polegar opositor armaram-se e disseram: nós somos o Sujeito único e absoluto aqui da área, logo, vocês, mulheres fora da caverna, são o Outro. 
E um Sujeito único e absoluto leva vantagem sobre o Outro desmembrado em zilhões de outros outros, não leva?
E  digo zilhões mesmo porque eu, tal qual o José Dias, gosto de exageros e superlativos.
O que eu não gosto é de machismo.
Inconscientemente, nunca gostei.
Mas é difícil se dar conta, é difícil acordar, principalmente, quando a gente nasce e cresce embalada dentro dele.

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Psicanálise de Vida Cotidiana: um corpo vivo

Esclarecimento inicial:  fiz análise durante dezesseis anos. Saí porque tive alta. Portanto digo que é uma vivência rara e me digo parabéns, você é uma bípede corajosa, curiosa, dedicada e resistente.
E digo sem constrangimento porque conhecer a própria essência, encarando defeitos e virtudes, é um desafio tão árduo como escalar uma montanha. A diferença é que a escalada, com a orientação de um terapeuta, se dá para o lado de dentro.
E não estou falando do lado B de cada um de nós. 
A gente tem muito mais que dois lados. 
Estou falando de percorrer o alfabeto inteiro, todas as facetas, os conflitos e os poemas que somos.
Crescimento não vem com prazo de validade. A gente pode se superar, reencontrar, reinventar a qualquer tempo.
Do lado de dentro, de conflitos e de poemas entende e muito o psicanalista Carlos Vieira, autor do recém lançado livro Psicanálise da Vida Cotidiana, editora Technopolitik, de Brasília.
Carlos é colunista no Blog do Moreno, no site da Globo.com desde 2011. E Carlos, além de profissional respeitado em seu meio, é também um leitor voraz, um homem culto e sensível à arte e à responsabilidade das palavras.
Conta ele na página 164: Freud certa vez afirmou que, depois de tudo aquilo que ele observou, pesquisou e desenvolveu em sua filha - a Psicanálise - "os poetas haviam chegado antes". Literatura e Psicanálise são dois vértices de observação dos fenômenos conscientes e inconscientes da alma humana e do coletivo.
E eu com a minha bipedice assino embaixo.
Minha busca primeira em qualquer leitura é sempre a psíquica.  E aqui não falo só de livros. Falo de ler o mundo e as pessoas também. Não me seduzem os detalhes exteriores e aparentes de nossas vitrines humanas.
Dispenso as embalagens e frufrus. 
Gosto do substrato, do que, camuflado ou não por olhos de Capitu, repousa nos estoques.
E esse livro do Carlos, de certa forma, é um estoque de sabedoria. 
O poeta Affonso Romano de Sant'anna em uma entrevista afirmou: o escritor tem uma relação com a palavra como se ela fosse um ser vivo. É uma relação vital.
Pois bem, Carlos é um psicanalista e é um escritor. E dos bons.
O Psicanálise da vida cotidiana é um corpo vivo. 

domingo, 7 de junho de 2015

Mãe de gente

Junho é o mês em que conto os anos da morte da mãe. Este ano, dia 23, serão dezoito. No início, pensei que com o tempo o seu desaparecimento precoce se acomodaria em algum esconderijo da minha mente. 
Mas não dizer mais a palavra mãe escancarou a sua falta logo na primeira semana. Até então eu não tinha entendido o quanto essa palavra nos  ampara.
Nos domingos, invariavelmente, ela me ligava estivesse onde estivesse. Se não me encontrava em casa, deixava na secretária eletrônica sempre a mesma mensagem:
- Milha filha, sou eu, a mãe. Me telefona quando puder.
Guardei a fita cassete com a gravação. Está em uma gaveta do móvel que era do meu pai dentro de uma caixinha de madeira. Dá para se perceber que sou sentimental. No entanto, não tenho como ouvi-la. O gravador compatível que eu tinha, dos tempos ainda de faculdade, se perdeu. Talvez tenha ficado na casa antiga.
Muitas coisas se perderam.
De muitas coisas me perdi. 
De algumas outras fui perdida.
A vida é também uma dinâmica de subtrações embora a gente passe o tempo acumulando de tudo um pouco, inclusive novos laços e alegrias.
Três anos depois que a mãe morreu, tornei-me uma. 
Gordo, grande, saudável nasceu o meu filho. E a cada mãe, mamãe, que ele disse e diz sinto falta da minha.
A minha mãe, além de cuidar da família e da casa, lecionava, pintava e administrava um pomar de maçãs.  Não se encaixava no modelo  materno primário de que ser mãe é viver só de dar e receber amor. Não se encaixava em vários modelos femininos propagados por essa nossa cultura despudoradamente autoritária e machista. 
Entretanto, se encaixava no que entendo por ser, de verdade, a pessoa responsável pela educação de uma outra. Educação afetiva, social, política, pessoal. Educação muito além dos manuais de etiqueta e dos bancos escolares.
Assim como eu, minha mãe adorava cães. 
Assim como eu, não se sentia mãe de nenhum.
Me perdoem as mães de gatos e cachorros. A ideia não é diminuí-las. Mas ser mãe de gente é outra história. Exige trabalho árduo e constante. 
Mãe de gente não sai e bate a porta e diz até a noite.
Mãe de gente está sempre de olho na agenda e nas emoções, suas e de sua cria.
Mãe de gente ensina sem parar, aprende sem parar.
Mãe de gente testemunha acertos e erros, testemunha frustrações,  evoluções, participa. Mãe de gente se modifica, cresce, faz aniversário duas vezes por ano, três, quatro, quantas forem as crianças.
Mãe de gente passa noites em claro porque o filho está doente, porque o filho está lépido e faceiro em uma festa, porque está viajando com a escola, porque foi mal na prova, porque foi bem na prova, porque se acha bonito, feio, bonito, inteligente, tonto, inteligente, porque comeu demais, de menos, porque levou um fora ou deu.
Mãe de gente se envolve mais que mãe de bichinhos. 
E mãe de gente renuncia ao que for.
Mãe de gente, se precisar, nem precisa pedirem, dá logo a vida. 
Mãe de gente morre com a morte de um filho.
Mãe de gente renasce para honrar a memória desse filho.
Mãe de gente se torna mãe de muitas gentes.
Da própria mãe quando chega a velhice.
De si própria e dos irmãos quando não há mais uma mãe para chamar.
Mãe de gente conta os anos pra trás e pra frente, pra trás e pra frente, eternamente. 

domingo, 31 de maio de 2015

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?

Ferreira Gullar

sábado, 28 de março de 2015

Ainda é céu

Sábado passado, Gabriela Silva lançou seu primeiro livro de poemas, Ainda é céu.
Eu gosto de poesia. Muito.
Desde julho de 1998, por ordem da professora Léa Masina (ordem mesmo que ela costuma ser bem enfática), leio diariamente um poema. 
Disse ela naquela época: versos instrumentalizam a linguagem e sensibilizam a percepção do mundo, portanto se você quer aprender a escrever, comece a lê-los hoje. 
Ou disse algo assim. Registrei dessa maneira. E, obediente, segui à risca.
Desde então, a meia dúzia de livros de poesia que eu tinha ganhou quantidade e variedade: da poesia soviética à africana, da poesia francesa à norte-americana, da barroca até a contemporânea, explorei.
Me configurei em uma versão autodidata (ignorante por conta própria como disse o Quintana) de  uma  espécie de em busca dos poemas perdidos. Ou seja, daqueles que de tão inteligentes e significativos a gente quase não acredita que existem.
E fui ficando curiosa, exigente e rabugenta, bastante rabugenta quando frustrada. Rabugenta sempre fui, tenho de ser honesta.
Mas acima de tudo o que aconteceu com  a  minha meia dúzia de livros de poesia foi uma ampliação também em qualidade. 
Minha coleção foi ganhando uma pele mais palpável. Meu vocabulário ampliando sua humanização pela diferença. E meus pensamentos ocupando um lugar mais sereno no espaço.
Espaço que eu, ingenuamente, pensava sólido e fértil como a terra e que só compreendi a mobilidade me deparando com o livro da Gabriela Silva.
O Ainda é céu  não é sólido e fértil como uma lavoura.
O Ainda é céu é uma revelação corajosa da origem, de qualquer origem, do momento que antecede o crescimento das formas terrenas e sublimes de vida.
Ele fala de amor como essência e não como ideal.
Fala de amor como motor, como meio para reconciliação com a vida e não como meio de tolerância diante do desamparo da morte.
O Ainda é céu aposta que o amor não é grande nem pequeno e que amar se aprende amando e sendo amado dentro da cumplicidade dessas duas entregas.
E eu aposto nele. 
Aposto que ainda é céu para nos entregarmos ao pó da terra.
Aposto.
E espero que eternamente continue sendo.

Ainda é céu. Editora Patuá. 93 páginas.
Imagem de Patrícia Belmonte



quinta-feira, 26 de março de 2015

Ninguém nasce sabendo ser mãe li em um artigo. Diz lá que ser mãe se aprende sendo  mãe do mesmo jeito como o "amar se aprende amando", do Drummond.
Até aí nada de  novo.
Ser mãe, ser pai, ser filho, irmão, amigo, amor implica aprendizado.
E aprendizado implica boa vontade. 
Quem não quer aprender, não aprende mesmo que tenha todas as condições. E quem quer, mesmo que não as tenha, progride ainda que com passos mais tímidos.
O alcance se dá aos poucos, mas se dá. 
E isso por si só já tem muito valor.
O problema está na intolerância de quem por andar mais rápido se pensa superior.
Não existe gente superior. Existe gente diferente. E a diferença que deveria fazer de verdade diferença é vista como defeito e não qualidade.


domingo, 22 de março de 2015

Faulkner Faulkner Faulkner

Estou lendo O som e a fúria.
Já li, do Faulkner: Luz em agosto; Enquanto agonizo e Absalão, Absalão.
Adorei os três e estou apaixonadíssima por esse que agora leio.
Segue trecho do Absalão, Absalão ( terceiro filho do rei Salomão, meu pai é paz):

" A gente nasce e experimenta algo e não sabe por quê, mas continua experimentando, e a gente nasce ao mesmo tempo que uma porção de outras pessoas, tudo misturado com elas, como que tentando, precisando, mexer os braços e as pernas presos a cordões, só que os mesmos cordões estão amarrados a todos os outros braços e pernas, e os outros todos estão tentando e não sabem por que também, só que os cordões estão todos embaralhando uns com os outros, como se cinco ou seis pessoas estivessem tentando fazer um tapete no mesmo tear, só que cada uma quer tecer seu próprio padrão no tapete..."

domingo, 8 de março de 2015

Vertigo

Então, de novo, é o dia internacional da mulher.
Quando menina, perguntei para meu pai - médico - por que nascíamos macho ou fêmea.
Ele, espírita encarnado, na época respondeu: por merecimento. No caso feminino, por desmerecimento, é lógico.
E eu só queria saber um pouco mais sobre os cromossomos X e Y.
Aí, repeti a pergunta para a mãe, artista plástica por vocação e professora de literatura também por vocação.
E ela disse: ah, filha, quando você descobrir vai ser como despencar de um abismo.
Minha mãe adorava um abismo. Ou será que não?
Explico.
Descer os aparados da serra (hoje chamados de canyons, aí que saudades da língua portuguesa) rumo ao litoral, por exemplo, era o próprio. 
Olha o abismo, ela falava mais alto, se deliciando quando ele, motorista estilo olha o poste, fazia uma curva mais aberta.
E eu suava, tremia, tonteava tal qual o James Stewart em Um corpo que cai.
Não por causa da altura. 
Se desse, eu andava de nuvem.
O x da questão  estava mesmo em meu pai e seu Y.
O Y de meu pai perdia para o X da minha mãe dirigindo um carro. Perdia para o X dela na hora de identificar pintores, de organizar as contas da casa, de decifrar charadas.
O Y de meu pai muitas vezes perdia. Mas se não ganhasse, perdíamos nós.
Porque o Y de meu pai era o cabeça da família.
O Y dele falava por todos nós. Era fluente por todos nós. Sabia um pouco mais de tudo.
Não se diz vertigo, é vêr-ti-go, com ênfase na primeira sílaba e uma batata quente na boca, ele nos corrigia, suspirando pela Kim Novak. Vertigo é nome de doença de cavalo e vocês não são quadrúpedes, são?
Não se diz lóve. É love, com o O fechado, ele também insistia. 
Fechado como eram suas demonstrações de amor.
Hermético como era o seu machismo. 
E o de minha mãe.
E de meus irmãos e meu e de nossos amigos, colegas, vizinhos, parentes, conhecidos, ídolos, cachorros, gatos, coelhos e porquinhos da índia. Papagaio a gente não tinha.
Porque éramos todos, exceto os bichos, machistas.
E seguimos, em péssima dose, sendo ainda.

sábado, 24 de janeiro de 2015

Verdade ou mentira?

Um dia a gente cresce por dentro. Cresce cabendo em si, estando mais magro ou mais recheado ou do jeito que sempre foi.
Quem olha de longe, não vê nada. E se espanta quando chega mais perto. Ainda mais se esse alguém que olha de longe for pequeno e pouco afeito a mudanças.
Internas. 
Mudanças internas desacreditam conceitos. Desestabilizam confortos e valores.
Em algumas pessoas, por exemplo, o imperdoável não são as mentiras. E, sim, as verdades.
As verdades, sejam elas quais forem, são como o tempo: ninguém domina, controla, vence.
O mundo gira, e lá estão elas, intactas. Boas ou más e intactas.
E o mundo gira, e lá estão as mentiras, envenenando a ética, corroendo a integridade dos que vivem presos sob o tapete, aniquilando a si mesmas, mas nos dando imensa chance de mudar.
Os mentirosos trocam de memória, de voz, de vocabulário, de gestos. Trocam de mentiras. Entram em cena e saem de cena com ou sem aplausos. Ferem, contentam, amenizam, administram pessoas, coisas e conflitos, sustentando-se no território infeliz do faz de conta, absolvendo-se, a qualquer custo, na maior parte das vezes, de sete a zero.
Mentir é fácil. E é difícil e custa caro.
Dizer a verdade é fácil. E é difícil e custa caro.
As mentiras são como a inveja: sempre coadjuvantes, mesmo quando proferidas por alguém que se pensa protagonista, talvez, por excesso de ego, talvez, por falta de coragem.
Coragem é fundamental para ser de verdade. Quem não tem, não existe. Habita o planeta, o meio social, um pequeno mundo menos criativo do que o de Gulliver e daí não sai nem que dê a volta em si mesmo oitenta mil vezes.

domingo, 18 de janeiro de 2015

A nitidez do tempo


A casa é a nitidez do tempo em que nos perdemos.
Talvez desde sempre.
O nome da rua, o número, as portas destrancadas, o coração de um lar a dormir em alguém não nos abandonam mesmo que ninguém habite o que resta no lado de dentro.
Em silêncio, o tempo nos esvazia enquanto mantêm a boca cheia de passado.
Mastiga-nos em memórias.
Dúvidas.
E não escapamos.
Nem antes nem depois do dia em que o primeiro tombo batisma a essência, obrigando a mente a ser forte como a solidão aguada de um planeta.
O tempo é de uma nitidez uterina.
É nuance de mãe ou da falta de uma.
Em cada mãe há um seio oculto.
Em cada minuto há um seio oculto, vertendo terra, afeto e desamor.

quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Por um relógio só seu

Não há calendário colado à parede ou grudado na geladeira. Usa a memória para marcar o tempo e ouvir o tique e taque de um relógio só seu.
Os anos viram várias vezes durante o mesmo ano. 
Em 2015, por exemplo, farão dezoito que a mãe está morta; seis que o pai. Nessas duas datas, mesmo que elas marquem um fim, no caso, dois fins, os dias começarão como se fossem o primeiro e terminarão como se fossem o último. Fragmentos inesgotáveis de vozes, risos, passos, cheiros, toques se condensarão, ampliando saudades e outras emoções. 
As saudades são sempre múltiplas, inconstantes e, esparramadas como folhas sobre o outono, contam-se também múltiplas e inconstantes. 
A contagem move-se a dor e amor; jamais por indiferença.
Move-se quando a casa, o corpo, a alma se alegram e enriquecem com chegadas e quando eles se assustam ou se entristecem com partidas. 
Não há tempo velho ou tempo novo e nem mesmo tempo presente no tempo.
O tempo vive em silêncio, dispensa fogos artificiais, máscaras e convenções.
O tempo existe em que o acolhe, deixa-se levar como se fosse, talvez seja, a mais relevante forma de vida.

domingo, 14 de dezembro de 2014

Eu acredito é no meu pai

Nunca acreditei em papai noel.
Nem por um minuto, minha mãe disse: papai noel existe e vai trazer presentes para quem foi bonzinho. Nem minha mãe nem meu pai disseram.
Os dois acreditavam, e muito,  na imaginação, mas dispensavam mitos.
Todos os anos, sem subterfúgio algum, o pinheirinho de Natal era montado por ela com a ajuda de quem quisesse cooperar em plena luz do dia. A árvore era pequena, não deveria ter mais de 80 ou 90 centímetros. As bolas eram vermelhas. E além delas, só uma estrela era acrescentada.
Depois,  também com a cooperação de quem quisesse, ela saía para comprar um presente para cada pessoa que, de um modo ou outro, fizesse parte do rol dos afetos de nossa família.
Nós: meu pai, meus irmãos, a madrinha da família (sim, tínhamos uma madrinha coletiva), a Tere, nossos primos, tios, as avós, afilhados, amigos íntimos e funcionários da casa, de meu pai ou de nosso campo e eu éramos lembrados.
E cada presente era único por ser escolhido.
Nada era uma obrigação, uma mera compra.
Em cada coisa escolhida havia pensamento, verdade e carinho.
E essas compras só existiam porque meu pai trabalhava sem parar, atendendo com o mesmo zelo e respeito todos os pacientes.
Éramos privilegiados pela força e vocação dele e não porque fossemos especiais.
Meu pai era. 
Em um único consultório, com duas salas de espera diferentes (por intolerância de alguns sempre equivocados sobre o ser humano), alternava o atendimento entre os que podiam pagar, entre os que o recompensavam com bolos, frutas, galinhas, xícaras, objetos afetivos de suas famílias e entre os que não podiam oferecer nada além de um genuíno muito obrigado, doutor.
Minha mãe amava esse meu pai. Sentia imenso orgulho dele.
Meu pai amava a minha mãe.
Ambos amavam a humanidade abundante que exalavam.
Não nos mentiam. 
Não nos iludiam.
Falhavam. Tentavam corrigir-se.
Falhávamos. Tentavam nos corrigir.
Sonhavam para nós uma vida correta, honesta, amorosa sem esconder o quanto ela poderia ser inesperadamente injusta, cruel, desumana.
Meus pais gostavam imensamente de ler. O pai ainda mais que a mãe. Lia os russos, memorizava os nomes e centenas de apelidos de cada personagem sem dificuldade alguma. 
Compreendia Dostoiévski. Compreendia o mundo.
Lendo O Idiota compreendo um pouco melhor a todos.
Eu gosto de ler os russos. 
Esse presente ele me deu.


"Não se deve esconder nada das crianças sob o pretexto de que são pequenas e ainda é cedo para tomarem conhecimento. Que ideia triste e infeliz! E como as próprias crianças reparam direitinho que os pais acham que elas são pequenas demais e não entendem nada, ao passo que elas compreendem tudo. Os grandes não sabem que até nos assuntos mais difíceis, a criança pode dar uma sugestão sumamente importante." (Dostoiévski)







quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Eu não gosto de você


Lamento não gostar de você.
Verdade. 
Não gostar de você me entristece, me tira o sono, remove um torrão do continente que também sou. 
Remove agora em pleno século 21 como removia também naqueles que tinham o coração fértil no século 16.
Nenhum homem é um ilha não é um poema, sabia?
Sei que é divulgado e vendido como se fosse. 
Mas nenhum homem é uma ilha é um trecho de uma das meditações, de John Donne, uma das mais profundas e inspiradoras que conheço.
A frase "Talvez aquele para quem esse sino soa possa estar tão enfermo quanto aquele que sabe que o sino não está tocando para ele" abre o texto.
Certamente vem daí o título do livro Por quem os sinos dobram, escrito pelo Hemingway no século 20.
Se você lesse mais, se você se humanizasse mais, você saberia do que estou falando.
É provável que não saiba. 
É provável que não leia livros e  pessoas. Os seus olhos devem estar voltados para a ponta empinada do seu nariz.
A humanidade é a nossa capacidade tradutora mais competente.
É preciso ser pessoa para ser pessoa.
É preciso rendar o corpo com alma para fazer parte de um tecido maior.
Mas você se acha tão imenso que não vê o quanto é pequeno.
Você humilha um faxineiro, um porteiro, um zelador. Você humilha os filhos dessas pessoas.
Você pensa que um empregado é um mal necessário.
Você é um mal.
O mal vem da sua arrogância, do seu desprezo, da sua necessidade de ostentar e de magoar.
Eu não gosto de você.
E lamento não gostar de você.
Verdade.

Ilustração: tela de  Alexander Kosnichev



domingo, 7 de dezembro de 2014

Deveria começar com um boa noite

Deveria começar com um boa noite, mas já  é dia. Deixei, como você gosta, uma das janelas abertas para ventilar o quarto e apagar-me mais rápido. Sabia desde o início que seria em vão. Soube no momento em que tirei a colcha e ergui o lençol. A cama estava grande, imensa, infinita sem a sua presença. Por uns minutos, fiquei em pé decidindo em que lado me deitar. O lado esquerdo é seu. O outro me pertence por direito. Então, ajeitei os travesseiros, os macios e os meus bem no meio, e decidi reler o Memórias do subsolo. Ontem pela manhã, eu tinha relido o Noites Brancas. Lembra que te falei vou reler meus Dostoiévski? Você ficou um pouco espantado quando comentei sobre minha fase russa. Talvez tenha te parecido um exagero ler dezoito livros de um mesmo autor como se fossem peças de um dominó. Li as novelas e os romances como você lê os contos, do Tchecov: apaixonada. Li como leio e releio também os seus e a ti: você minha literatura andando pela casa e por mim em carne, voz e afeto. Não deveria, eu sei, passar a madrugada acordada. Desperta tem de ser a dois bem como o Russian Caravan que você me trouxe e que tomo sozinha enquanto te escrevo, tentando me convencer que ainda que não seja a mesma coisa, é sempre melhor uma xícara de chá que nada.

Para Luiz Ruffato

https://www.youtube.com/watch?v=q7JEUetg8lE

Leituras a partir de 1 de janeiro de 2012

1. Bilhete seco - Elisa Nazarian
2. Quando fui morto em Cuba - Roberto Drummond
3. O retrato de Oscar Wilde Fragmentos
4. Estrela miúda breve romance infinito - Fabio Daflon
5. Poemas - Wislawa Szymborska
6. Mar me quer - Mia Couto
7. Estive em Lisboa e lembrei de você - Luiz Ruffato
8. O pai invisível - Kledir Ramil
9. Poemas de Eugénio de Andrade - Seleção, estudo e notas de Arnaldo Saraiva
10. Os da minha rua - Ondjaki
11. A máquina de fazer espanhóis - Walter Hugo Mãe
12. Vigílias - Al Berto
13. Poemas concebidos sem pecado - Manoel de Barros
14. Face imóvel - Manoel de Barros
15. Poesias - Manoel de Barros
16. Compêndio para uso dos pássaros - Manoel de Barros
17. Gramática expositiva do chão - Manoel de Barros
18. Matéria de Poesia - Manoel de Barros
19. Arranjos para assobio - Manoel de Barros
20. Livro de pré-coisas - Manoel de Barros
21. O guardador de águas - Manoel de Barros
22. Concerto a céu aberto para solos de ave- Manoel de Barros
23. Quinta Avenida, 5 da manhã - S. Wasson
24. A literatura em perigo - Tzvean Todorov
25. O remorso de Baltazar Serapião- Walter Hugo Mãe
26. Lotte & Zweig - Deonísio da Silva
27. Indícios flutuantes (poemas) - Marina Tsvetáieva
28. A duração do dia - Adélia Prado
29. Rua do mundo - Eucanaã Ferraz
30. Destino poesia Antologia - organização Italo Moriconi. Ana Cristina Cesar, Cacaso, Paulo Leminski, Torquato Neto e Waly Salomão
31. Tarde - Paulo Henriques Britto
32. Correnteza e escombros - Olavo Amaral
33. Nelson Rodrigues por ele mesmo
34. A última coisa que eu pretendo fazer na vida é morrer - Ciro Pellicano
35. O encontro marcado - Fernando Sabino
36. O óbvio ululante - Nelson Rodrigues
37. O grande mentecapto- Fernando Sabino
38. O homem despedaçado - Gustavo Melo Czekster
39. Dia de São Nunca à tarde - Roberto Drummond
40. O canto do vento nos ciprestes - Maria do Rosário Pedreira
41. Antes que os espelhos se tornem opacos - Juarez Guedes Cruz
41. Desvãos - Susana Vernieri
42. Um pai de cinema - Antonio Skármeta
43. No inferno é sempre assim - Daniela Langer
44. Crônicas de Roberto Drummond.
45. Correio do tempo - Mario Benedetti
45. Gatos bravos morrem pelo chute - Tiago Ferrari
46. Gesso & Caliça - Alberto Daflon Filho e Fabio Daflon
47. A educação pela pedra - João de Cabral de Melo Neto
48. O fio da palavra - Bartolomeu Campos de Queirós
49. Meu amor - Beatriz Bracher
50. Os vinte e cinco poemas da triste alegria - Carlos Drummond de Andrade
51. A visita cruel do tempo - Jennifer Egan
52. Cemitério de pianos - José Luis Peixoto
53. O amante - Marguerite Duras
54. Bonsai - Alejandro Zambra
55. Diciodiário - Valesca de Assis
56. Não tenho culpa que a vida seja como ela é - Nelson Rodrigues
57. Lero-lero - Cacaso
58. O livro das ignorãças - Manoel de Barros
59. Livro sobre nada - Manoel de Barros
60. Retrato do artista quando coisa - Manoel de Barros
61. Ensaios fotográficos - Manoel de Barros
62. A queda - as memórias de um pai em 424 passos - Diogo Mainardi
63. Junco - Nuno Ramos
64. Os verbos auxiliares do coração - Peter Estérhazy
65. Monstros fora do armário - Flavio Torres
66. Viagem - Cecília Meireles
67. Cora Coralina - Seleção Darcy França Denófrio
68. Instante - Wislawa Szymborska
69. Dobras do tempo - Carmen Silvia Presotto
70. Eles eram muitos cavalos - Luiz Ruffato
71. Romanceiro da inconfidência - Cecília Meireles
72. De mim já nem se lembra - Luiz Ruffato
73. O perseguidor - Júlio Cortázar
74. Paráguas verdes - Luiz Ruffato
75. Todas as palavras poesia reunida - Manuel António Pina
76. Vidas secas - Graciliano Ramos
77. Inferno Provisório Volume II O mundo inimigo - Luiz Ruffato
78. O ano em que Fidel foi excomungado - José de Assis Freitas Filho
79. Boneca russa em casa de silêncios - Daniela Delias
80. As cidades e as musas - Manuel Bandeira
81. Billie Holiday e a biografia de uma canção Strange Fruit - David Margolick
82. Inferno Provisório Volume III Vista parcial da noite - Luiz Ruffato
83. Inferno Provisório Volume V - Domingos sem Deus
84. Inferno Provisório Volume IV - O Livro das impossibilidades - Luiz Ruffato
85. Pedro Páramo - Juan Rulfo
86. Zazie no metrô - Raymond Queneau
87. Fora do lugar - Rodrigo Rosp
88. Salvador abaixo de zero - Herculano Neto
89. Inferno Provisório Volume I - Mamma, son tanto felice - Luiz Ruffato
90. A virgem que não conhecia Picasso - Rodrigo Rosp
91. Claro Enigma - Carlos Drummond de Andrade
92. Tempo dividido - Sophia de Mello Breyer Andersen
93. A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

Leituras a partir de 1 de janeiro de 2011

1.Desgracida - Dalton Trevisan
2.Diário de um banana - Jeff Kinney
3. Poemas escolhidos, seleção de Vilma Arêas - Sophia de Mello Breyner Andresen
4. Oportunidade para um pequeno desespero - Franz Kafka
5. Venenos de Deus, remédios do Diabo - Mia Couto
6. Ventos do Apocalipse - Paulina Chiziane
7. Para gostar de ler - Contos Africanos
8. Vinte e zinco - Mia Couto
9. O Vendedor de passados - José Eduardo Agualusa
10. O Fazedor - Jorge Luís Borges
11. Terra Sonâmbula - Mia Couto
12. Barroco Tropical - José Eduardo Agualusa
13. Quem de nós - Mario Benedetti
14. O último voo do flamingo - Mia Couto
15. A carta de Pero Vaz de Caminha: o descobrimento do Brasil - Silvio Castro
16. Na berma de nenhuma estrada e outros contos - Mia Couto
17.O reino deste mundo - Alejo Carpentier
18. Como veias finas na terra - Paula Tavares
19. Baía dos Tigres - Pedro Rosa Mendes
20. O português que nos pariu - Angela Dutra de Menezes
21. Cem anos de solidão - Gabriel Garcia Marquez
22. Vermelho amargo - Bartolomeu Campos de Queirós
23. Meu tipo de garota - Buddhadeva Bose
24. Tradutor de Chuvas - Mia Couto
25. O livro das perguntas - Pablo Neruda
26. O fio das missangas - Mia Couto
27. Luka e o fogo da vida - Salman Rushdie
28. Pawana - J.M.G. Le Clézio
29. O africano - J.M.G. Le Clézio
30. O pescador de almas - Flamarion Silva
31. Um erro emocional - Cristovão Tezza
32. O amor, as mulheres e a vida - Mario Benedetti
33. A cidade e a infância - José Luandino Vieira
34. História do olho - Georges Bataille
35. Destino de bai- antologia de poesia inédita caboverdiana
36. O tigre de veludo- E. E. Cummings
37. Poesia Soviética - Seleção, tradução e notas de Lauro Machado Coelho
38. A cicatriz do ar - Jorge Fallorca
39. Refrão da fome - J.M.G. Le Clézio
40. As avós - Doris Lessing
41. Vozes Anoitecidas - Mia Couto
42. O livro dos guerrilheiros - José Luandino Vieira
43. Trabalhar cansa - Cesare Pavese
44. No teu deserto - Miguel Sousa Tavares
45. Uma canção para Renata Maria - Ediney Santana
46. Sete sonetos e um quarto - Manuel Alegre
47. Trópico de Capricórnio - Henry Miller
48. Sinais do Mar - Ana Maria Machado
49. Carta a D. - Andre Gorz
50. E se o Obama fosse africano? E outras interinvenções - Mia Couto
51. De A a X - John Berger
52. Diz-me a verdade acerca do amor - W.H. Auden
53. Poemas malditos, gozosos e devotos - Hilda Hilst
54. Outro tempo - W.H. Auden
55. nem sempre a lápis - Jorge Fallorca
56. Elvis&Madona - Luiz Biajoni
57. Budapeste - Chico Buarque
58. José - Rubem Fonseca
59. Axilas e outras histórias indecorosas - Rubem Fonseca
60. Instruções para salvar o mundo - Rosa Montero
61. A chuva de Maria - Martha Galrão
62. Rimas da vida e da morte - Amós Oz
63. Aqui nos encontramos - John Berger
64. Pensatempos textos de opinião - Mia Couto
65. Os verbos auxiliares do coração - Péter Esterházy
66. Cartas a um jovem poeta - Rainer Maria Rilke
67. A canção de amor e de morte do porta-estandarte Cristovão Rilke - Rainer Maria Rilke
68. Adultérios - Woody Allen
69. Quem me dera ser onda - Manuel Rui
70. Satolep - Vítor Ramil
71. Homem Comum - Philip Roth
72. O animal agonizante - Philip Roth
73. Paisagem com dromedário - Carola Saavedra
74. Não te deixarei morrer, David Crockett - Miguel Sousa Tavares
75. Orelhas de Aluguel - Deonísio da Silva
76. Travessia de verão - Truman Capote
77. Avante, soldados: para trás - Deonísio da Silva
78. Antes das primeiras estórias - João Guimarães Rosa
79. O outro pé da sereia - Mia Couto
80. O cemitério de Praga - Umberto Eco
81. A mulher silenciosa - Deonísio da Siva
82. Livrai-me das tentações - Deonísio da Silva
83. A mesa dos inocentes - Deonísio da Silva
84. Hilda Furacão - Roberto Drummond
85. A estética do frio - Vitor Ramil
86. Poetas de França - Guilherme de Almeida
87. Tarde com anões 7 minicontistas - Carlos Barbosa, Elieser césar, Igor Rossoni, Lidiane Nunes, Mayrant Gallo, Rafael Rodrigues e Thiago Lins.
88. Pensageiro Frequente - Mia Couto.
89. A palavra ausente - Marcelo Moutinho
90. Uma mulher -Péter Esterházy
91. Cartas de amor - Fernando Pessoa
92. A última entrevista de José Saramago - José Rodrigues dos Santos
93. A morte de D.J. em Paris - Roberto Drummond
94. Do desejo - Hilda Hilst
95. Cenas indecorosas - Deonísio da Silva

Leituras a partir de 19 de Julho de 2010

1. La Hermandad de la uva - John Fante
2. Nem mesmo os passarinhos tristes - Mayrant Gallo
3. Um mau começo - Lemony Snicket
4. Recordações de andar exausto - Mayrant Gallo
5. Ladrões de cadáveres - Patrícia Melo
6. O mar que a noite esconde - Aramis Ribeiro Costa
7. Há prendisajens com o xão - Ondjaki
8. E se amanhã o medo - Ondjaki
9. O último leitor - Ricardo Piglia
10. Par e ímpar - Tatiana Druck
11. Paris França - Gertrude Stein
12. Quirelas e cintilações - Luiz Coronel
13. AvóDezanove e o segredo do soviético - Ondjaki
14. Luaanda - José Luandino Vieira
15. Poemas para Antonio - Ângela Vilma
16. Estranhamentos - Mônica Menezes
17. A vida é sonho - Calderón
18. A varanda do Frangipani - Mia Couto
19. Um copo de cólera - Raduan Nassar
20. Antes de nascer o mundo - Mia Couto
21.Lavoura Arcaica - Raduan Nassar
22- Poemas da ciência de voar e da engenharia de ser - Eduardo White
23. Manual para amantes desesperados - Paula Tavares
24. Materiais para confecção de um espanador de tristezas - Ondjaki
25. Milagrário Pessoal - José Eduardo Agualusa
26. Felicidade e outros contos - Katherine Mansfield
27. Estórias abensonhadas - Mia Couto
28. Fábulas delicadas - Eliana Mara Chiossi
29. O Ulisses no Supermercado - José de Assis Freitas Filho
30. Cartas Exemplares - Gustave Flaubert
31. A Moça do pai - Vera Cardoni
32. Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra - Mia Couto
33. Dentro de mim faz sul seguido de Acto Sanguíneo - Ondjaki
34. Bonequinha de Luxo - Truman Capote
35. 125 Poemas - Joaquim Pessoa.

Mundo bípede


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