Então, de novo, é o dia internacional da mulher.
Quando menina, perguntei para meu pai - médico - por que nascíamos macho ou fêmea.
Ele, espírita encarnado, na época respondeu: por merecimento. No caso feminino, por desmerecimento, é lógico.
E eu só queria saber um pouco mais sobre os cromossomos X e Y.
Aí, repeti a pergunta para a mãe, artista plástica por vocação e professora de literatura também por vocação.
E ela disse: ah, filha, quando você descobrir vai ser como despencar de um abismo.
Minha mãe adorava um abismo. Ou será que não?
Explico.
Descer os aparados da serra (hoje chamados de canyons, aí que saudades da língua portuguesa) rumo ao litoral, por exemplo, era o próprio.
Olha o abismo, ela falava mais alto, se deliciando quando ele, motorista estilo olha o poste, fazia uma curva mais aberta.
E eu suava, tremia, tonteava tal qual o James Stewart em Um corpo que cai.
Não por causa da altura.
Se desse, eu andava de nuvem.
O x da questão estava mesmo em meu pai e seu Y.
O Y de meu pai perdia para o X da minha mãe dirigindo um carro. Perdia para o X dela na hora de identificar pintores, de organizar as contas da casa, de decifrar charadas.
O Y de meu pai muitas vezes perdia. Mas se não ganhasse, perdíamos nós.
Porque o Y de meu pai era o cabeça da família.
O Y dele falava por todos nós. Era fluente por todos nós. Sabia um pouco mais de tudo.
Não se diz vertigo, é vêr-ti-go, com ênfase na primeira sílaba e uma batata quente na boca, ele nos corrigia, suspirando pela Kim Novak. Vertigo é nome de doença de cavalo e vocês não são quadrúpedes, são?
Não se diz lóve. É love, com o O fechado, ele também insistia.
Fechado como eram suas demonstrações de amor.
Hermético como era o seu machismo.
E o de minha mãe.
E de meus irmãos e meu e de nossos amigos, colegas, vizinhos, parentes, conhecidos, ídolos, cachorros, gatos, coelhos e porquinhos da índia. Papagaio a gente não tinha.
Porque éramos todos, exceto os bichos, machistas.
E seguimos, em péssima dose, sendo ainda.
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