O escritor húngaro Imre Kertész
sobreviveu a Auschwitz com apenas 14 anos de idade. Em seu livro Um outro
crônica de uma metamorfose, diz que o horror da morte não está na morte em si,
mas na descoberta de se estar completamente perdido diante dela.
Nos atentados coordenados em
Paris, a morte, desencadeada por atos premeditados, exerceu seu papel
dilacerante de ser também uma espécie de labirinto urbano do mal.
Labirinto em que nós, criaturas
da civilização ocidental, podemos ser jogados, como em um sorteio, por
fanáticos suicidas para morrer ou para servir de mensagem aos demais a qualquer
momento. O campo de batalha estará aonde estivermos: café, estádio, escola,
metrô, calçada, terra, água e ar. Algo como: daqui para frente, não temam mais
fantasmas e bruxas, temam a nós, seremos tão onipresentes e onipotentes quando
deus.
As razões
para uma ameaça de tamanha envergadura, dentro da lógica do ISIS ou de outros
grupos terroristas, em geral, se justificam em nome de deus e daquilo que eles
entendem como sendo divino e justo. Entendimento, no mínimo, parcial do que é a
justiça entre os homens.
Já
nós, dentro da tradição judaico-cristã, dizemos que fomos feitos à imagem e
semelhança de deus. Eu, particularmente, duvido e por uma série de motivos,
sendo o principal o fato de deus ter sido obrigado a optar por um gênero. Prefiro
a fala de Nietsche: o homem, em seu
orgulho, criou Deus, a sua imagem e semelhança. O que não significa que eu
não acredite em um poder criador. Tampouco que sim.
O fato é que sofremos também,
como os terroristas, da ilusão de que deus está do nosso lado. Do nosso lado está a nossa capacidade de ponderar, de pensar e de se constituir como uma
espécie.
Meu trecho favorito no Livro do
Desassossego, de Fernando Pessoa, na verdade, se resume a uma frase: estou hoje lúcido como se não existisse.
Para mim, é disso que os acontecimentos recentes tratam: da lucidez; no caso, da
falta de.
Portanto, temos de nos pensar como um todo. Ou somos seres racionais
ou não. Ou existe humanidade ou não. Perder uma parte dela já é nos colocar em
risco de extinção. Nós temos vocação para a
extinção. De guerra em guerra, temos clamado por ela, ignorando que a existência
não é infinita e que a morte pode estar mesmo cansada, ansiosa para abocanhar, de
uma só vez, o que nos resta de vida.