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Não está na lista. No fundo do bloco, guarda os restos. Anota espalhados em fina camada de um papel antigo, perto da caixa de fósforos da cozinha. Na boca da frente do fogão, esquenta a água usada para o chá das cinco, das seis, das vinte e quatro horas do dia. Chá amargo feito o nome herdado de metade de sua casa, do lado paterno e sussurrado das confusas conversas sobre reencarnação e culpas. Não está na lista de propósito. Uma livre e espontânea vontade há uma década lhe permitem agir sem dúvidas. Durante duas, conviveu com suas posses como se de outros fossem. Desapropriou-se silenciosa, recorrendo ao zelo destinado aos objetos que não nos pertencem e à promessa de receber presentes futuros. Nada pediu emprestado. Tampouco, achou justo abrir mão do que guardava; de nada. Um nada completo, memorizado sob os cobertores pesados do inverno e sob as invasões dos outros membros de sua família, das duas metades: dos filhos do pai e dos da mãe, e do pai e da mãe, de um todo estranho à sua natureza desconfortável à ideia de um clã, alérgica a asas de galinha, às inúmeras galinhas brancas confinadas no terreno ao lado, no galinheiro do sítio, nas panelas. Comeu as coxas e o peito, ansiou pelo coração. O coração liderava a lista. Um único teria sido o suficiente, se fosse ela a escolhida, porque não houve sorteio ou concurso, apenas a preferência ordenada e obediente à chegada a casa e não à mesa. A mesa era descartável. Girou mesmo não sendo redonda, um corpo vivo ainda que inanimado, semelhante à sua discreta forma de menina. Antes dela havia um irmão, e antes dele, outra filha, e antes de outra filha, dois outros. A contagem ultrapassou a matemática dos dedos inexperientes, e ela acabou por conformar-se, consolar-se. Não escreveu, não leu. Não sabia. Parada em frente as estantes, apertou os olhos até enxergar, nos livros, fachos de cores, listras. As listras do horizonte que um dia encontraria derramado em palavras. Um horizonte como o usado em títulos e desenhos, o horizonte rampa feito um escorregador, um tobogã de ferver o frio e de libertar bolhas de endorfina.
Oi cara Bípede,
ResponderExcluirAgradeço o comentário. Adorei.
Vindo de você é realmente animador.
Vou continuar seguindo o seu blog. Você tem um texto muito criativo.
Sorte!, é o que eu desejo pra você.